A Barbárie Atual e a Liberação do Instinto Sádico

A Barbárie Atual e a Liberação do Instinto Sádico

O instinto sádico tem crescido no Brasil e no mundo e ele vem acompanhado do aprofundamento de uma lógica neoliberal que torna o indivíduo uma máquina de trabalho e consumo, que corrompe os sonhos, que enterra as utopias, que vende uma felicidade rebaixada e que só é possível com drogas, remédios, terapia e uma diversão que custe dinheiro e que não forme laços entre as pessoas.

O instinto sádico cresce também junto com a alienação completa do homem em relação ao outro diante de um processo de manipulação da consciência, empreendido pela grande mídia, que impregna as mentes das pessoas com sua propaganda reacionária, de caráter fascista, machista, homofóbico e racista. A indústria cultural busca também manipular os nossos instintos, vendendo a ideia de um sexo fácil e sem compromisso, tentando romper os laços de amor, respeito e solidariedade entre as pessoas e pervertendo o verdadeiro sentido da liberação sexual, que é, antes de mais nada, a total liberdade erótica e não um sexo que está sempre ligado aos valores capitalistas, ao dinheiro. No que se refere ao instinto agressivo nem se fala, os próprios filmes e séries que, assim como toda produção artística, poderiam funcionar como catarse, na verdade, por serem destituídos de um conteúdo de engajamento politico ou progressivo, por ser a violência pura e simples, sem nenhuma moral e, portanto, sem nenhum direcionamento positivo da agressividade, mais contribuem para estimular do que para sublimar a agressividade e o sadismo. Uma coisa é mostrar uma cena brutal de tortura num filme, como é o caso de "Batismo de Sangue", outra, completamente diferente, são os casos de filmes de psicopatas que são simplesmente "maus" e que mostram um requinte de crueldade num filme de violência sem propósito, como é o caso de filmes como "Jogos Mortais". Até filmes de terror antigos como "A Hora do Pesadelo", tinham um roteiro que girava em torno do sempre interessante tema dos sonhos e dos pesadelos e falava ainda do caso de um pedófilo e de um linchamento e as consequências desastrosas para todos desses "pecados", ou seja, tinha um propósito moralmente superior, mesmo com toda a violência, que não deve ser simplesmente reprimida, pois é parte de nós, mas canalizada da maneira correta. A arte é, aliás, uma boa forma de sublimar a violência e mesmo o esporte, que "organiza" o impulso agressivo, "enquadrando-o" nos termos dos objetivos do esporte, sendo uma ritualização do ato violento. É claro que isto não se aplica ao MMA, esporte que faz sensacionalismo com a violência, que transforma um esporte de luta numa batalha de gladiadores, em que se pode tudo, até socar quem está no chão já imobilizado (sinceramente, nunca vi isso em nenhum esporte de luta antes). E as pessoas torcem, vibram, como vibraram com o Capitão Nascimento no filme "Tropa de Elite", quando ele torturava e matava. Veja bem a diferença: tanto no filme "Batismo de Sangue" quanto no filme "Tropa de Elite" aparecem cenas de tortura, mas com significados distintos, com sentidos distintos. E isso muda tudo. Um é humanista. O outro é fascista.

O instinto sádico também toma corpo numa sociedade em que cresce o individualismo e o hedonismo. Num mundo que vive uma crise econômica e o crescimento da miséria e do desemprego. Num mundo sem utopias e, portanto, sem futuro. Num mundo, e isso se aplica ao nosso país, de banalização da violência. É a violência nas escolas entre alunos e entre alunos e professores, com a perda do respeito entre as pessoas mesmo num espaço onde a educação e o respeito deveriam prevalecer. A violência despropositada das brigas de torcidas. A violência como forma de diversão. A violência do crime e especialmente do crime organizado, do tráfico, das milícias e que acaba sendo cultuada pelos jovens que não encontram outra referência nem objetos dignos para que possam dirigir sua frustração, sua angústia, um objetivo ao qual dirijam sua paixão.

O instinto sádico também nasce da repressão. A repressão sexual produz a pedofilia e os estupros, ela contribui para que as pessoas se degenerem e ao reprimirem algo saudável e necessário como o sexo, voltem-se, no final das contas, para práticas sexuais sádicas absolutamente depravas e repulsivas, o que não se aplica às práticas sexuais consensuais entre adultos, mesmo aquelas taxadas de perversões pelos moralistas. Nesse sentido, as igrejas contribuem muito para o sadismo generalizado dos dias de hoje com a pregação da repressão sexual e do ódio a todos os elementos desviantes de seu código moral, que elas supõem deverem ser universais.

O instinto sádico é liberado nesses tempos de totalitarismo, de controle total sobre as pessoas, vigilância em massa e alienação do tempo de vida global dos trabalhadores-consumidores. As práticas sádicas estão cada vez mais disseminadas na sociedade civil. O Estado também traz a memória do autoritarismo, a marca dos regimes repressivos do passado e se ajusta às necessidades do capital na conjuntura atual, lançando mão também da liberação do instinto de destruição, fortalecendo o aparato repressivo.

O monstro já está se formando. Será que estamos próximos de um momento de dor e sofrimento como o da época do nazismo? Ou a barbárie que nos espera é muito pior? É uma necessidade urgente o resgate das utopias, o direcionamento das energias psíquicas e vitais do homem para projetos de futuro humanistas. É uma necessidade urgente também buscar todos os meios possíveis para que as pessoas possam sublimar de forma construtiva e saudável a sua agressividade por meio da arte, do esporte, da política, da filosofia e da ciência. Esse é o único meio realmente eficaz de encarar a atual situação de barbárie em que vivemos