SORTE DE SEGUNDA
Você pula da cama com o barulho mórbido do despertador. Se levanta, com os olhos ainda cerrados, arrastando os pés pelo corredor. E joga, sem pensar duas vezes, aquela mosca gigante, ainda zunindo, no congelador. Acorda uma hora depois, atrasada para a reunião, a consulta com o dentista ou um dia de verão… A roupa não está passada ou se quer lavada. O cabelo, em crise como um adolescente mimado, só não espanta tanto quanto as olheiras que parecem rabiscadas de canetinha roxa. E onde raios se enfiou o resto do corretivo?!— questiona já aos gritos, tendo de ouvinte apenas o ventilador. De pijama e blazer, corre, brigando contra os dois carrascos em forma de ponteiro, que, satisfeitos, brincam com seu destino. E a sensação que dá ao andar nas ruas é a de estar sendo vigiada por um pombo sorrateiro, analisando seus passos, esperando o momento certo para agraciá—la com seu mais precioso presente. Ai, não, lá vem ele. Merda.
O bom é pensar que é aqui que você pode começar a ter… sorte.
Anne Py
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