Delirando...

Na manhã gélida, eu me exponho. Quem vai me querer o corpo? Quem me irá oferecer um cigarro? Eu estou ávida, delirante. Preciso de um homem, ou talvez, uma mulher que me estremeça toda. Eu me lanço ao espaço, como um dado. Tudo bem, um dado viciado. Sou previsível, eu roubo. Roubei minha própria alma, se a tenho é porque ela já foi

de outro alguém. Ela existia noutro templo. Sim, o corpo é o templo da alma. A carne é sagrada. E como contemplar toda essa sacralidade de merda? Contemplo ao meu modo, que pode parecer controverso, antitético. Blasfemo contra a carne, incito a carne, provoco a carne. Ela se sente excitada. Chamo-a de vadia e ela sempre pede mais uma dose. A carne. A carne. A carne. Eu grito!

CARNE! Eu estou delirando. Eu me lanço ao espaço, toda desprotegida. Eu sei que dará seis, é, seis. Sei já do meu destino. Ele é seis. Mas por que seis? Sei lá, não faz sentido. Eu não faço sentido.

Escolhi aleatoriamente um número do dado. Se sei já do meu destino, por que desprotegida? É que luto contra a vida. Alguém assim só pode ser frágil. Não podemos lutar contra a vida, os fortes sabem disso. É que o mundo todo me parece um beco estreito e iluminado por uma claridade que cega. Não há espaço para todos. Alguns corpos têm que morrer para outros nascerem. Eu sei que os fluidos da vida convergem para um poço profundo e sombrio chamado Morte. Esta palavra me dá tesão. Não que eu seja suicida. Gosto da Morte como métafora. Eu luto contra a vida. Em mim a antinomia é sangrenta, pois quero viver intensa e amplamente. Mas a morte, oh a morte, ela me trucida. Eu amo meu carrasco. Eu luto contra a vida, ao passo que a desejo. Desmonto-me em partículas

procurando a essência, ela se encontra em todo tipo de existência. A existência é cousa engraçada. Não depende de nada, só dela mesma. A existência é eterna, e este é um dos segredos que gostaria

de compartilhar com você. Se você for ateu, imagine os bóssons de higgs ou sei lá o quê.Se espiritualista, imagine a centelha divina. Só sei que algo existe independente do tempo e espaço. Seja lá que nome tenha, seja lá o que for. Eu me exponho. Estou suscetível, quem vai me querer o corpo? Ah eu vou gritar, ah eu estou delirando! Sou uma poesia meio sem graça. Versos brancos. Sem rimas.

Um poema de estrutura modernista, sem métrica. É, estou sem métrica. Alguém pode me aparar? Eu não conheço limites. O infinito cabe em meu corpo. Eu me sinto uma deusa. Partes de mim foram fabricadas em fornalhas estelares. Isso é divino! Mas sou só poeira. Que contradição! Eu sou uma contradição, em verdade sou tanta coisa e não sou absolutamente nada! Entenda, tudo é uma coisa só.

Tudo é uma coisa, nada é uma coisa - Nada e Tudo são uma coisa só, porque bem sei que nos meus átomos bêbados e loucos, há tantos espaços vazios. Você vê os meus buracos? Quem poderá vê-los?

O Deus vê os meus buracos. E ele diz - Que criaturazinha mais frágil! Pobre coitada, luta contra a vida! E se diz anti-natural! É, o Deus tem razão, não se pode lutar contra a vida. É um impulso inconsciente

das coisas tolas do universo que giram e giram, dançam e dançam. Sou uma ideia que precisa ser comprada, antes de morrer! Não me deixe morrer, mas pensando melhor... Deixe-me morrer logo de uma

dor lenta. Enquanto agonizo, produzo mais. E quando eu já tiver ido, você se lembrará de mim como um vento que balançou seu cabelo, mas passou! Eu sou como o vento, tão volúvel! Mas um pobre ventinho

é incapaz de rachá-lo. Eu quero rachá-lo. Eu preciso rompê-lo para que possa, enfim, nascer. Eu sinto dor de nascer. Estou nascendo. Estou delirando. Mas que poesia sem graça!

Quero morrer de uma dor de nascimento! Esta é a libertação! Os fluidos da vida convergem para um poço profundo e sombrio chamado Morte. No entanto, A morte converge magicamente para a vida.

Darei o meu espaço a outro alguém. Uma nova vida surgirá para compensar. E em algum ponto eu voltarei com uma alma tão velha como o próprio universo. Mas acredito firmemente que o universo não tem idade.

Tempo é relativo,tempo é ilusão. E eternidade um não - tempo. Então, direi que sou sem idade. Os fluidos da vida me banham. A morte é só uma passagem. A vida é só uma passagem. Tudo é passagem.

Eis outra contradição, tudo é efêmero e eterno. A vida e a morte são feitas de contradições como estas. Somos contradições ambulantes, eis o grande mistério.