VARIAÇÕES INCONCEPTAS DO PENSAMENTO

     A metafísica nunca fabrica coisas encontradas e confiáveis. Assim é que são elevados à condição de alguma sobriedade humana os abismos invisíveis, contidos em suas luzes dispersantes. Então, por que vos exaltais ou vos afligis em céus e infernos por vós mesmos criados em estares perenes nas pradarias aromadas, ou em retiradas a desertos povoados de pedras sob as quais se escondem peçonhas perversas? E por que vos agoniais com vossos sonhos sempre condenados ao porvir de utopias infaustas, com vossos amores ou com vossos despudores, com vossas crenças ou com vossas quedas, e com o tudo mais, se os caminhos por vós aduzidos escondem vossos açoites mais severos em sinuosidades por detrás de vossas máscaras? Não devíes vós apenas andar como os pássaros que voam sem que palavras lhes emudeçam o puro e incauto canto?

     Até o precipício final do apagamento, há o ocaso. E nele é que surge a estúrdia da alienabilidade humana em modelações pseudoconcretizadas ou pseudoabstratadas. De fato, passivamente ao despertarem, as singularidades adúlteras não andam passivamente sob sol da manhã e da tarde, rumo às sombras da noite sobrepujante. E disso posso falar com certa franqueza, pois foi exatamente quando deparei minhas próprias sordidezes interiores que melhor pude observar vossas misérias e vossas estultícias, como criadores incontestes de todos os verbos embrionários, e como falseadores de verdades, através de vossas imagens pervertidas, lançadas a ventos desordenados.

     E, ciente de que, entorpecido por suas próprias essências insalubres, o homem idealiza de seu ego e transmuta à sua mercê a imprevisibilidade natural das coisas, espraiando suas próprias deformidades a todo orbe e a tudo que nele é contigo, é que mais sofismo ao berço de minha alucinação. E mais uma vez digo que, se o faço, é por poder e queda meus. Assim é que testemunhei deuses humanizados, de nomes e aparências estranhas, anunciando gêneses de suas férteis imaginações a toda a conjuração postergada. Seus brados são ouvidos como trovões a rasgarem os ares, e os tempos, e os espaços, como que a se eternizarem, cravados nos frios liames dos batismos violadores em que se promiscuem.

     Absorto à famígera condição humana, não mais me permito pedir crenças, nem entendimentos em minhas palavras desorquestradas. Tampouco creio em olhares virgens e puros contidos na vereda incerta da vida. De fato, em que pese esboços e calabouços contrários, aos quais não mais olvido – em vácuo inédito, contemplando o meu reflexo atrofiado no espelho – conjecturei, insólito, conseqüências de depravações de vivos e de mortos presentes.

     Lembro-me de contados ilustrados em livros de saber dos corajosos atos de heróis a desbravarem mares desconhecidos. Do desfloramento de castidades ainda intocadas, os habitantes de além-mares foram os últimos a contemplarem os céus violados e se rederem a palavras pregadas em cartazes pendurados nos ares. Antes não tivessem se atido – e porventura poderiam escolher a não consumação do estupro que se iniciava em todo âmbito e lhes extirpava, com a supremacia do pensamento imposto, essências sufocadas? – à nova seara que lhes parecera promissora, tragados que foram pela voracidade da fome dos gigantes que iniciavam a construção do molde imperfeito.

     De frente ao frio e leal espelho, sequer presumo mais alguma sombra improfanável, posto que a tudo se dão claridades próprias e humanizadas. Dos incontáveis filósofos criadores de falsidades, florescem futilidades às avessas metafisicando o “ser” a seus próprios aprazeres, e segundo seus próprios entendimentos e reinos habitados. Não se lhes bastando preconizar de suas entranhas, autocombatem-se de seus egos fortificados. Assim, dentre tantos, enquanto um dos monstros, Friedrich Nietzsche, assassina o Deus dos demais, invocando Zaratustra; outro, Jean Paul Sartre, condena à fatalidade de escolhas todas as consciências e inconsciências, todos os atos, e pensares, e sonhares de todos os que se lhe forem abrangidos pelo poder de suas palavras; outro ainda, Sigmund Freud, decreta a ligação eterna do “ser” a seus desejos libidinosos e por poder, inferindo uma autoqueda condenada em si mesmos. A conspiração contra a “existência” – posto que, ao inaugurarem proveniências de suas mentes, provocam-se mortes por subjeções humanas –, segue-se extrínseca e infindamente, sobretudo advindas dos maiores centros propagadores de luzes transgressoras.

     Na ciência se consagram, como verdades fundamentadas em lógicas equacionais e axiomáticas, difamações inflamadas a se expandirem por todo espectro imaginável. Assim fora quando um dos mais vorazes e famintos dentre toda espécie de racionalistas, Albert Einstein, adentrou a mata em trilhas recurvadas, desvirginando-a e arquitetando uma nova formação com segredos travestidos de premissas factuais, impermistas somente à superfície da desconhecida rede de incertezas ocasionais. Um de seus congêneres, Charles Darwin, despudoradamente intitulado naturalista, e não menos esfaimado, atreveu-se à descrição de sua “Teoria da Evolução”, inaugurando paradoxalmente uma das falhas básicas do existencialismo racional. Em outro advento, silenciosamente, maquinava outro colosso, Werner Heisenberg que, a seu tempo, revelaria também uma outra origem ainda mais avassaladora para as gêneses, ao afirmar uma metafísica quântica, inferindo que todas as possibilidades são possíveis, desde que desprovidas do poder de observação humano, aprisionado aos limites onde incida a luz, por onda ou partícula, uma vez que, posta a visão, estabelecida está a violação das eventualidades em convergências à cegueira clarificada pelos egos espúrios que se enclausuram dentro da grande barreira. Do mesmo modo, mortos e vivos viriam a continuar, às suas visões apócrifas, a imensa e frágil pavimentação de todo orbe, com tudo que nele possa ou não haver, tão somente de acordo com suas imaginações e inaugurações, e do exato ponto onde pousam seus olhares e seus pensamentos no efêmero caminho em que se centralizam desapercebidamente.

     Na mesma vereda maldita, em contrabalanço às suas razões ilegítimas e às suas abstrações filosóficas e metafísicas, que devoram a fria realidade e a molda à sua maneira e para o seu servir, inventaram deuses com atributos sobre-humanos, nos quais depositam esperanças mortas, por queda fatídica na crença em criadores onipotentes, oniscientes e onipresentes, mas que contêm não mais que seus mesmos submundos imundos travestidos de vestes alvas e idealizados para a grande ambição de purificação e de vida eterna. Mas nunca há um só pólo nos deturpadores pensantes, onde o bem e o mal se confundem em seus cernes. Assim, prosseguiram em seus regurgitos ilusórios, inaugurando também um ferrenho inimigo à benevolência à qual se dobram os joelhos em orações indeléveis, de igual poder e portador de uma essência intrinsecamente nefasta. Se todo lançamento é feito por suas próprias mãos, a projeção dos infames de centros e pólos tão contrários em seres a serem idolatrados ou temidos tão somente é a expurgação de duas próprias entranhas negadas.

     Em choques de suas bipolaridades se colocam as máquinas sentimentais com reflexos em seus devaneios pronunciados em palavras que levam a ascensões e a quedas inevitáveis. Como na filosofia e na ciência, o poder da fé não contém mais do que uma utópica projeção em nível máximo do próprio ser humano a seres que possam salvá-lo ou condená-lo de si mesmo. Não obstante, também assim estupram a realidade fria, ao almejarem o poder supremo da eternidade desprovida de sua própria humanidade, haja vista que a imaginam não só infindável, mas desprovida de toda maldade e de toda chaga que também habitam seus cernes.

     Imensidades, vastas e efêmeras imensidades contidas nos reinos dos homens. No revérbero insólito de seus egos, não bastassem os brados redundantes a percorrerem incorporeamente todos os cantos imagináveis ou não, advindos das atuações maiores de seus régios, entre os espectadores, cochichos se sussurram soçobrando, de formas incomensuráveis, vastos mundos menores. Na baixa escória projetora, nos vales, nas vielas e nos prostíbulos intelectualizados ou libidinosos, conjecturam-se, a cada instante, caminhos e descaminhos de gêneses anômalas. E assim caminham com suas razões e com suas crenças forjadas, criando modelações imperfeitas e de contornos condenadamente nunca nítidos da realidade primordial. E se pronunciam cores de sóis, gélidos invernos, mares poéticos, maldições entre cruzes e espadas, amores flutuantes, e toda sorte de efluições confusas, sem perceberem que, após o apagamento além- barreira onde não se é possível postar olhares, nem pensamentos, no tempo certo, menos haverá que seus fantasmas insones, a vagar como mera possibilidade de sequer terem existido.

     De fato, foi preciso estar morto por um momento para apenas contemplar penumbras de um ponto sem a interferência humana. E, enquanto estive morto, apenas senti, sem poder me expressar sobre isso, posto que inauguraria algo de minha egocentralidade palavreada, que o além-barreira também se eterniza com fome insaciável pelo resgate da eventualidade que lhe fora tirada. Do inimaginável de lá, surgirá a seu tempo o resgate de toda virgindade violada. E não haverá grilhões, nem imagens, nem revérberos, nem mais conjecturas quaisquer.

     Em suma, do desvario perante meu reflexo mortificado é que ouso dizer que, inadvertidamente, desencadeamos de nosso “ser” claustrofóbico e egocêntrico, uma série de contingências imprevisíveis todas as vezes que ousamos nos pousar em algum ponto da abstração nossa, de onde pregamos verdades inconceptas através do pensamento liberado.

     E como compreender a grande farsa que contém tanto mais degradação quanto mais evolução de conhecimento científico, filosófico ou de aprofundamento em uma fé essencialmente humana?

     Ou como demonstrar além da grande barreira onde nada se possa mais ser projetado ou consumado se me é impossível por também possuir a transgressora essência de meus similares?

     Eis, então, que afirmo de meu altar maculado: O ilimite que nos damos e a detenção de tudo em nós mesmos me parece não mais que uma grande farsa, onde arlequins atuam em comédias e dramas abstratos, consumando nossa queda inalienável e nossa condenação ao frio apagamento no porvir de incertezas.

     Péricles Alves de Oliveira
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 22/04/2013
Reeditado em 17/08/2013
Código do texto: T4253488
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.