SE FOSSE HOJE
Se fosse hoje, eu fecharia os olhos,
E talvez
Enrijecesse o corpo
E soltasse mais a alma.
Quem sabe, eu até pudesse
Manter a calma
E fazer, cinicamente,
Meu último pedido?...
Só não teria pena,
Não levaria, comigo,
Traços de arrependimento
Pelo que não foi dito
Ou vivido.
Trataria de esquecer
Tudo o que não foi bom,
E num gesto de pura
Covardia,
Poderia até falar em perdão!...
Se fosse hoje, eu ergueria
A cabeça pesada e cansada
Bem acima das nuvens,
Para ver o que me aguarda,
Talvez subisse bem alto,
Lá, na mais solitária, austera e augusta
Montanha,
Onde a bruma faz morada,
E ficasse ali, parada,
Esperando para ver o que surgiria.
Só esperaria
Que fosse frio, e bonito, e silencioso,
E que houvesse luzes coloridas piscando entre a bruma,
Jardins lindos, com pedras cobertas de musgo,
Lagos espelhados, misteriosos e profundos,
Cavernas imensas, de onde pingasse não só umidade,
Mas verdade,
Um nascer e um por de sol
A cada vinte minutos,
E um céu crivado de estrelas, e cheio de luas,
Cada qual, com seu São Jorge
E seu dragão.
Se fosse hoje, eu não olharia para trás,
Pois há muito tempo,
Já não me arrependo mais
Por aquilo que fiz ou deixei de fazer.
Entendi que crescer
É uma coisa que não tem fim, e nem motivos,
Cuja necessidade eu jamais vou entender,
Mas que é necessário
Mesmo assim,
E que de nada adianta brigar com a vida ou com a morte,
Pois elas apenas observam, pacientemente, as nossas birras,
Como mães que apenas riem
Da inocência dos seus filhos.
Se fosse hoje, eu talvez fosse
Gargalhando pelo caminho,
Ou chorando lágrimas amargas
Pelos que fossem ficar para mais tarde.
Deixaria nesse mundo,
Apenas uma pedrinha,
Pois é só este o peso que carrego
Agora, junto comigo.