O pior cego é aquele que quer se ver
Se a completa escuridão cega, o excesso de luz também.
O que é o mundo?
Resposta de Deus? Resposta do Nada?
Dúvida do homem e vontade de nada.
As respostas são prontas e acabadas demais. Encerradas em si mesmas, parecem não dar conta do recado. Não resolvem o problema. Não explicam o absurdo. Não dizem o que é o mundo. Não acham para o homem um lugar confortável. Não explicam o insano, o desumano, o sagrado, o profano.
Não respondem ao conflito, ao anjo e ao demônio. Não explicam os seres que nos habitam a alma, nos inquietando a razão.
O mar de leite no qual a genialidade de um simples humano* outrora nos mergulhou e sob cuja esbranquiçada lactose apática continuamos submergidos, parece nos afogar, dia após dia.
Eis aí a cegueira de todos nós.
Alguns até gostam dela; outros dela reclamam; outros estão nela confortáveis, e dela preferem não sair.
O pior cego, por sinal, é aquele que quer se ver. E quer ver o outro, seu igual, que se torna diferente à medida que sua cegueira diminui. E vai emergindo aos poucos do imenso mar de leite em que se lançou ou onde foi jogado, arrastado junto com a multidão de cegos, tornando-se igual, ainda que não quisesse.
Ver - se depois da cegueira, impõe, ao mesmo tempo, a responsabilidade de transformar-se, para transformar aquilo que sequer se conhece e a condição de uma consciência que assume o risco de ir às profundezas do incognoscível, para cair, quem sabe, na mesma cegueira de antes.
* referência a José Saramago, autor da obra "Ensaio sobre a Cegueira", a quem agradeço pela genialidade, que me levou a expor aqui as palavras que perscrutava no pensamento.