Divagações de uma mente inquieta.
- Gostaria de beber algo?
-Perda de tempo.
Ele era um tipo estranho, gostava de deixar tudo explicado em seus pormenores por uma lógica que pretendia se utilizar do método científico, sempre classificando e decompondo em suas células menores qualquer ideia – conteúdo. Como seria fácil se ele possuísse algum tipo de leveza despretensiosa na fala. E um silêncio desagradável se instaurou. As pessoas a nossa volta pareciam estar nos olhando, o que não me incomodou tanto, inicialmente, até eu ter a impressão que estava sendo perseguida. Não sei bem, mas havia árvores ao redor do restaurante e elas pareciam mover rapidamente suas folhas e nos seus troncos havia rostos de pessoas que já passaram pela minha vida e elas falavam comigo sempre me julgando, me recriminando, ordenando que de agora para frente eu fizesse tudo diferente para que eu não fosse condenada ao fogo eterno. Alguns rostos de tronco diziam-me para parar de vadiar e ter uma vida digna, que eu parasse de frequentar festas e que definisse melhor minha sexualidade e recomendaram, principalmente, que eu deixasse de usar maconha porque mexe com meus neurotransmissores ou algo do tipo. Nada me parecia muito substancial tudo fazia parte da subjetivação do sujeito. Tudo para mim era inteligível. O chão não me era sólido, nem constante, eu percebia que, essencialmente, de fato não o era. É como se eu pudesse perceber o movimento das placas tectônicas debaixo dos meus pés e pareciam sempre colidir, mesmo que não colidissem, uma vez que tudo para mim era inconstante, tudo para mim era confronto, colisão. Eu também achava a existência um fardo, achava-a cansativa, até mesmo, manter as funções vitais dava trabalho, um desgaste insano de energia e esforço pessoal, além da casta de profissionais da saúde que apontam a forma correta de se alimentar. A vida é um circo com vários números diferentes. Sempre há aquele que anda por cima da corda bamba, o palhaço que faz os outros rirem mesmo que esteja um caco por dentro, o globo da morte e seus motoqueiros que gostam de velocidade e risco, os malabaristas que se viram como podem e a mulher barbuda que se contenta em atrair olhares por ser uma aberração.
- Você gostaria de passear um pouco pelas ruas? – Eu perguntei.
- É uma opção. – ela respondeu.
Então fomos passear pelas ruas enquanto conversávamos sobre tudo que nos vinha à cabeça desde que vestido ela usaria no casamento da irmã ao problema da questão social na filosofia. E assim passávamos pelas ruelas em ruínas daquela cidade costeira. Ela me contou que as casas antigas pareciam sempre a encarar com olhos nervosos, não era ela quem queria explorar os mistérios das antigas construções, mas as construções que a perscrutavam sempre deixando clara a sua história, de modo que ela sempre ficava deprimida pela ação do tempo. Ela disse que o tempo é medonho, que ela morria de medo do tempo. Contou-me, também, que cada segundo que passa é mais uma batida do seu coração que se vai, pulsando com o corpo todo. Disse que o corpo todo é um desgaste insano de energia, que o metabolismo a cansava. Que todo movimento é perda de tempo e como ela almejava estar no centro da roldana imbecil que é a vida, apenas observando os palhaços girarem com o impulso, e ela, plena e absoluta estar parada. Falou também que não entende tantas guerras ideológicas, que seria muito mais fácil se as pessoas apenas vivessem suas vidas, seguindo o fluxo natural das coisas, porque falar de epistemologia ou metafísica não torna a vida menos miserável, ela continua igual, inerte em sua repetição enfadonha. Que desvendar os mistérios é para os bobos ou masoquistas. Quando obtemos uma verdade absoluta, não podemos desejar mais nada senão a morte. A certeza traz a loucura. A certeza é cruel. As dúvidas, por outro lado, são amigas para todas as horas. É o que faz nós imaginarmos que a vida vale alguma coisa, quando não vale coisa alguma. Por mais bela e risonha que seja uma verdade absoluta ela gerará adversidade,será imperativa, dominadora, autocrática e, novamente, cruel.
Você não quer parar um pouco? – Eu perguntei.
- Para quê? – Ele perguntou.
- Para observar melhor o que está ao nosso redor – Eu respondi olhando bem nos seus olhos engraçados.
- Como você quiser, lady.
Então paramos e sentamos num banco e dava vista para o pôr – do – sol, não que o pôr – do – sol seja lá grande coisa, no entanto alguma coisa que é. Eu fiquei alguns minutos observando os olhos engraçados dele, sei lá eram brilhantes e curiosos. Olhos curiosos sempre me despertavam curiosidade. Não pela curiosidade em si, mas pelos ares inocentes que olhos curiosos trazem consigo.Ele sorriu despretensiosamente para mim, porque havia apenas silêncio naquele momento. Mas não foi um sorriso de desconforto, foi um sorriso de quem tava achando graça, embora graça alguma houvesse. Não sei, acho que perdi a habilidade de achar graça nas coisas, acho que era porque já havia experimentado tantas experiências... Que tudo me parecia repetitivo. Desviei o olhar por um instante na intenção de observar o que havia por perto. Eu podia escutar o barulho das ondas .Eu jamais me compararia com o mar, embora o achasse bonito, assim como me achava bem bonita. O oceano é profundo, no entanto revolto. E eu já havia superado a revolta. A revolta havia me fatigado. Eu ainda era profunda, uma lagoa bem profunda.
Havia muita areia nas pedras de ladrilho. E a areia havia sujado minhas sandálias, mas não me importava. Até gostava do contato com a natureza, sempre gostei do intercâmbio com as origens. Elas nos fazem lembrar de quem somos. E areia me lembrava do corpo que me aprisionava, de todas as leis físicas e naturais. Ela me recordava de minha identidade; da minha essência e ela não passava de matéria biodegradável. É o que eu costumava dizer que o ser humano é um lixo biodegradável. Não que eu ignorasse a quintessência, só a achava inútil. Não que eu também achasse Sócrates, Platão ou Aristóteles inúteis. Só que sempre achei que a história é escrita pelos vencedores, o cristianismo, logo todas as correntes compatíveis com a doutrina cristã foram enfatizadas e as teorias como o atomismo que vem desde Demócrito, as correntes materialistas, até mesmo, os pensamentos Nietzscheanos, de certa forma, foram postos à margem. A metafísica, o espiritualismo e qualquer coisa que suportasse o cristianismo não seria tidos como um imenso absurdo se comparados a algo que não precisasse da existência de um ser supremo para se explicar. No entanto, eu nunca me rotulei. Sempre estive aberta a novas ideias. Nunca tomei partidos. Não sou isso ou aquilo, me contento em ser o que sou, nada.