Reminiscências
Tão terrível é o ato de lembrar-se dos tempos de outrora, das pessoas maravilhosas que um dia preencheram nossas vidas, que se perdem nos labirintos da mente a todo instante, para que se tornem nada mais do que visões distorcidas de pinturas em quadros velhos os quais não conseguimos enxergar nada além de borrões... O tempo que afasta as lembranças, assim como a realidade onírica, que depois do despertar lembramos apenas de fragmentos desconexos de uma realidade que existiu apenas num instante de piscar de olhos; e quanto mais o tempo escoa na ampulheta da existência, tanto mais próximo ao esquecimento nossas lembranças vão se perdendo. Vida insana que nos faz masoquistas, obrigando-nos a caminhar por trilhas espinhosas, vivendo na esperança de um futuro dúbio, agarrados aos desejos das outrora reminiscências que perdemos, presos aos ínfimos bons momentos daquilo que seria uma partícula de um universo inteiro de sofrimento e tédio. Focando nossa atenção ao trabalho estressante para evitarmos não pensar o porquê fazemos essas atividades desgastantes e sem sentido, para nos tornarmos escravos de pedaços de papeis, mentindo para nós mesmo que amanhã tudo vai ser diferente, que possuímos um propósito; e tudo isso com um único fim... suportar um presente que, ironicamente, era o futuro de ontem. Carregando no âmago sentimentos fantasmagóricos de realidades que não existem mais, enquanto a morte carrega a ampulheta da vida que despenca os grãos de areai como se fossem mundos de possibilidades os quais não tivemos a chance de começar, vidas que não pudemos viver e momentos que não pudemos vivenciar...
Assim é a nossa vida; seguimos vivendo o agora tirando fotografias a todos os instantes e guardando-as na caixinha de lembranças que, por não possuir um lacre, são ofuscadas pela vida conturbada, perdidas pelo tempo, vagando pelo inconsciente.
Cabe a morte a tarefa de nos libertar — mesmo não sabendo o que dela esperar, pois à vida já estamos habituados — e lançar-nos ao seu mundo misterioso o qual todos um dia habitamos e voltaremos a habitar; e quando tal dia chegar, talvez sintamos toda a vida manifestada apenas num instante, e nada mais além de uma ilusão. Uma verdade observada pela mente no momento da morte e, depois de organizado todas as lembranças perdidas e retomadas pela consciência, pode ser a eminência da base de toda sabedoria ou do conhecimento humano, nos revelando que tudo não passou de uma visão, um sonho...