Angústia
Não há nada, nenhuma sensação. Não há saudade do passado, lembranças, sequer desejos. Não, o sentimento não é bom, é terrível. O ar está pesado, posso ver gotículas de chumbo esparramadas por aí. Pela televisão velha, cheia de pó, que descansa em paz profunda sobre a escrivaninha antiga; gotículas de chumbo impregnando, impregnando tudo...
Falta-me o ar agora, faço muita força pra respirar, pra conseguir que um pouco dele penetre meus alvéolos cinzas, cheios de cinzas. Mais um trago no cigarro, pra ver se sinto o gosto da sua saliva nesta guimba, ainda úmida. Mas não, não sinto.
Acho que tudo o que sinto é nada, um nada terrivelmente sufocante. E também um afiado e pontiagudo arrependimento, que se embainha por meus músculos cardíacos vagarosamente, perfurando-me, perfurando-se, perfurando-me...