Nu no quarto
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
A vida começa em mim também nas semelhanças, na capacidade de afeto, no desenvolvimento da reflexão. A vida sempre esteve em mim. Mas e os olhos pra ver? Não tinha. Mas como tudo acontece, sem querer me peguei olhando no espelho pela primeira vez. Era em um bar e eu conseguia ouvir o barulho la fora, estava no banheiro. Quando percebi meus olhos me olhavam. Medo foi meu primeiro comportamento de defesa, medo condicionado. Olhei de volta e encarei, como não podia? Era eu ali me olhando. Notei as características mais profundas da região castanho escuro dos meus olhos. Notei os rasgos que elas tem, mudando de cor gradativamente, num vai e vem igual aurora. A partir dai, conheci o silêncio do meu interior. Foi quanto me toquei pela primeira vez. Foi desse ponto em diante que minha mente passou a perceber o tempo.
Como é incrível o silêncio, é a parte que mais gosto em mim, a escuridão. Não a escuridão negra como noite sem estrelas, mas a escuridão do universo, de todas as cores juntas, todas as razões juntas. Desde o primeiro toque, a vida se expandiu em mim, e eu sendo obrigado, fui engolindo e expandindo junto. Somos todos semelhantes, porém é a diferença que nos torna únicos. Eu tenho meus rasgos castanhos nos olhos, ela tem os azuis.
Hoje, mais uma vez a vida me batizou com uma graça. Fiquei nu no quarto e me olhei ao espelho, 3 anos depois do primeiro toque. Quando vi meu corpo, minhas formas, meus dedos, as unhas, o pé. Todo esse mecanismo desenvolvido minuciosamente pra sobreviver selvagemente, lentamente transformado pela minha mente em um mecanismo frágil a própria vida. Mesmo assim me encantei e pude então sorrir pelos olhos. Pude perceber as semelhanças minhas com todas as outras formas de vida, e me tocar no rosto como se minhas mãos fossem toda a verdade da vida, irradiando-se sobre mim.
É como se eu e o universo mantivessemos contato secretamente. Quando precisar é só imaginar qualquer canto dele, que vai estar lá, algo pensando em mim também, com a mesma admiração por sermos tão incertos. Somos tão incertos quanto o esperatozóide que me deu vida, quanto ao óvulo que me deu continuidade, quanto a força linda que me carrega enquanto carne. O tempo.