Deserto
Todo deserto tem sua secura providencial
O vento desenha na areia
Aquilo que algum dia será caminho.
Vencendo a dureza temporária
O declínio submetido a sua aridez
Registrando a imagem idealizada
Da região tida como fértil
Inaugurando a esperança
Desacelerando o inevitável corte
Ou aquilo que damos o nome de norte.
O deserto é tão precioso quanto o oásis.
É no vale escaldante da dor
Que apuramos o sentido da existência
Vencendo as noites frias
E a sequidão dos dias.
É no deserto...
Que os pequenos fios de ouro deslocam
Cada pequena saliência
Dessa superfície granulada
Abrindo os espaços sedentos
Da efemeridade de cada intervalo.
É no momento de sequidão
Que provamos nossos reveses
É no entendimento das dores primárias
Que controlamos as dores secundárias.
É preciso abrir o leque
Desaglutinar planos irrealizáveis
Cheios de fantasia
E assumir a realidade de cada dia.
É pra isso que servem os sonhos
O resto é ilusão.
Não é nas quimeras que encontramos realização
Nem na idealização da irrealidade
É ao assumir nossa identidade
Que autenticamos nossa felicidade.
Mas cuidado...
Existe um deserto
Que abre a boca e engole os sonhos
Tira a permissão da alegria
Embaça o horizonte
Seca as fontes
Deixa cair o assombroso cinza
Relembrando cada eminente morte
E nos faz acreditar seres sem sorte.
Talvez esteja ai
O segredo do assumir nossa cruz
Distinguir cada deserto
E escolher o mais certo.