Eu já não me sei.

Eu decidi escrever o que viesse à cabeça, pois quero trazer à tona o que se esconde atrás do sentido. Para quê tanta lógica? Quero vida ampla e intensa. O sentido limita a vida. Em verdade, o sentido é uma prisão perpétua, em que só se sai fugido. Sinto o ritmo do blues guiando minhas ações como uma música de fundo, lá no fundo, lá no âmago, primordial, essencial, primitivo.

O que existe antes do tempo e do espaço? Com certeza, algo que independe dessas dimensões, talvez algo adimensional e , certamente, eterno. Assim estou eu - como um objeto adimensional no espaço.

Apenas a contemplar a eternidade - sem começo ou fim. Atemporal e apática contemplo o vazio que se forma entre as palavras. Não quero muito me prolongar na explicação, não tenho muito a dizer.

O silêncio e o vazio o farão melhor. Só sei que me perdi na desconstrução. Já não me sei. Estou num ponto de colisão entre o ser e o nada. São duas esferas roliças que se movem na mesma velocidade

em sentido contrário. E o tempo? Ah o tempo é uma sequência que pode ser facilmente invertida. O passado, o presente e o futuro existem concomitantemente. Eu já não me sei. Palpito sobre as grandes

questões, mas sou incapaz de palpitar sobre mim mesma. Há uma nuvem em torno dos meus olhos por ordem de Poseidon para que aprenda a me guiar pela intuição. Eu já não me sei. E quanto mais me busco mais me perco. Me dissolvi na imensidão dos céus. Vejo com olhos etéreos estrelas e supernovas, planetas e nebulosas. Estou numa viagem sideral procurando imagens que me remontem

o início de tudo. Por que tomei esta forma? Não poderia eu ser uma estrela? Mas eu vim das estrelas. Sou filha d'uma estrela? Ou de um ovo cósmico? Ou então de um Deus imaterial? Por mais que tente, não me sei.

Desmonto-me em partículas, procurando a essência. Quem poderá sê-la? Quero a substância e que ela seja como uma seiva que alimenta a árvore. Que eu exploda em mil pedacinhos! Que eu exploda!

E nessa explosão criarei nova vida. Me recriarei. Vou me reinventar. Sobre o tempo... Não sei mais coisa alguma a dizer, senão que não passa de uma ilusão dos sentidos, do sentido!

Sim, o sentido nos prega peças. Quero liberdade... De pensamentos e sensações, sim, sou sinestésica. Quero libertação dos paradigmas. Quero vida nova e fresca! Que eu me guie pela intuição - forma superior

de entendimento, uma visão holística que nos permite pular etapas. Que me venham insights aos milhares. Que eu estremeça toda de prazer com a nova vida. Que eu SEJA minha Verdadeira Vontade. Encontro nos astros o que há em mim. Eu sou uma pergunta - como diria Clarice Lispector. Sim, eu sou uma pergunta! Por que me sou? Só sei que sou e apenas sou! E vivo esse ser intensamente. Mas e o nada, onde está?

Encontra-se em igual medida em meu ser. Não sou ninguém. Eis a contradição. Sou apenas isso ou aquilo, algo de essencial. A pessoa em mim já não fala, não escuta e não vê. Abandonei a pessoa em mim para ser algo que se assemelha ao universo. Pretendi me tornar una com os reinos vegetal, mineral e animal. E assim permaneço em um estado meditativo até que assim se faça.

Quero estar no centro da roda do mundo só observando o movimento dos mortais. Eu quero. Assim escrevo porque quero muito. O desejo me liberta, posso senti-lo sem amarras. Desejo, porque quero.

E quero, porque desejo.Sinto o pulsar do mundo, ele vibra comigo. Vibro, sim, de acordo com a natureza. Observo a vida pequena que se rasteja no solo. Olho as pedras e as plantas...

E vivo, sim, vivo! Experimento cada sensação que me é permitida. Quero vida ampla e intensa e todos que compartilham comigo a vida irão saborear-se com esse meu desejo. Vida, ah vida!

Enquanto morro lentamente a cada respiração, sinto a vida em mim ressuscitar cada vez mais forte. Eu já não me sei. Estou por aí perdida na selva entre animais e plantas. Sou como eles, tão primordial!