Não existe homologação para a vida. Vivê-la é fácil e complexo, vivê-la é ser e ao mesmo tempo estar, viver é nunca saber até onde vamos, e apenas a vivemos como um eterno algo novo a cada instante. Em parte podemos aprender a viver, mas em parte também pouco vale este aprendizado, sempre estaremos a experimentá-la como se primeira vez fosse. Nunca a estaremos sentindo em outra pessoa que não seja a primeira. Impossível me é experimentá-la pelos outros, como também o é que os outros a realizem por mim. Sempre estaremos a experimentá-la como um desafio de primeira vez. Conseguimos algum aprendizado tão-somente com o presente fugidio que já se tornou passado, entretanto apenas a realizamos no limiar do presente que continuamente se descortina para o novo, para o que ainda não é, para o limite existencial do presente que não para de chegar. O aprendizado de pouco vale, até que um dia este presente nunca mais retorna, e estaremos assim, a partir deste momento, fadados ao nada eterno. Viver é ser desbravador de um presente que ousa ser novo a cada instante, e que tão logo o é, deixa de ser, para tornar-se lembrança, desta forma somos executores de um de um eterno mover-se a frente, sem que se mova na realidade, sentindo como experiência de vida um passado que nos faz companhia. Sem concordar nascemos pactuados com uma morte que na verdade nunca a realizaremos, mas que um dia chegará por um novo presente que jamais poderá se tornar lembrança, e assim, que jamais poderemos realmente sentir sua realização, pois nossa dualidade de vida é viver o presente que chega, mas ter consciência de um presente que já se foi. E com a morte, não mais existirá mente para conscientizar nada, inclusive a própria morte que acabou de chegar. Tenho certeza que teremos consciência do processo de aproximação da morte, de algum sofrimento, da possível tristeza daqueles que nos amam, mas a consciência exata da realização plena da morte, jamais a teremos, pois que enquanto vivos, temos consciência apenas do passado, que vivemos ou sentimos, passado este que ocorreu algumas vezes  a meras frações de segundo apenas, mas ao morrermos, nada mais seremos, e esta mesma fração de segundo necessária a conscientização nos impossibilitará de conscientizar a consumação da morte plena.
 
O presente é uma sucessão contínua de novos infinitesimais instantes de vida, um limite temporal que tende eternamente para zero, mas que se sucede continuamente, e que em algum momento de sua infinitesimal parcela de tempo, a vivemos plenamente, e que tão logo a vivamos se torna passado juntamente com sua conscientização. O momento presente é um processo contínuo onde este mesmo presente ousa não parar e é assim eternamente novo como experiência. Podemos experimentar e realizar este presente em cada um dos instantes que se fazem existência, e podemos introspectivamente o perceber como um eterno contínuo presente.
 
O mais louco, pelo menos para mim, acerca do presente, é que, como já mencionei anteriormente, o percebemos como real presente, mas o que realmente percebemos já é passado.
 
A mente necessita de um tempo físico para o seu processamento. Os sensores, todos eles, quaisquer que sejam, necessitam de um tempo variável para captar, perceber e converter em impulsos bioquímicos esta percepção. Uma outra fração de tempo é necessária para que estas informações convertidas em pulsos bioquímicos possam fluir desde os seus diversos receptores até o próprio cérebro. Apenas agora o cérebro, em processo autônomo e totalmente inconsciente, distribui as informações recebidas e processa descentralizada e paralelamente estas informações. Para isto é necessária também certa fração de tempo. Somente agora, com o gasto de mais alguma porção de tempo é que nossa mente consegue repassar sinais bioquímicos, do processamento autônomo de nosso cérebro, para nosso estado de consciência e passamos a ter percepção do real presente que já não mais é real enquanto presente, posto que já é passado. Nossa percepção do presente é ela mesma um reflexo de eventos passados. Desta forma cria-se uma aparente inconsistência de realizarmos nosso viver no presente que chega, e percebermos, ilusoriamente, este mesmo presente que não para de chegar como um presente real, mas na verdade somente conscientizamos este presente que realizamos como chegada e que o percebemos como presente, em um presente que já se desloca como passado. Assim, todo e qualquer aprendizado estará sempre no passado, não existindo, portanto homologação real para o real presente que vivemos, sem percebê-lo enquanto presente, pois quando o percebemos, já é na verdade passado.
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 02/03/2013
Código do texto: T4168073
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