Diálogo com a vida.

Uma dor intragável me acompanhava. Não era uma dor qualquer... Na verdade, era a dor de existir. Eu sei, esse sentimento sempre esteve surrado, mas era o que era: a dor de existir.

Eu fazia desse sentimento minha caverna, de modo que me abrigasse e me aquecesse. Os morcegos eram pensamentos soturnos que pairavam sobre minha cabeça. A cada insight o corpo se contorcia de prazer e de dor, sim, dor. A dor de pensar. Eu também era masoquista. Eu não sabia quem era, sentia a alma se estilhaçar em mil fragmentos.No entanto, a vida me chamava lá fora. Nunca gostei de viver, mas ela gritava até não poder. Assim se instaurava um diálogo:

- Vida, me deixe em paz - Eu dizia.

- Nunca a deixarei, até que você me deixe.

-Não será você quem me levará?

- Nunca a deixarei, até que você me deixe - Ela repetia.

Até que a morte me arraste serei impelida pela vida a viver. Até que os olhos me sejam engolidos... Ainda me restará o sopro divino, a centelha até a alma esvaziar-me o corpo.

Eis a questão: nós levamos a vida ou a vida nos leva? A vida nos leva quando nos apresenta soluções inesperadas ou um rumo novo e nós levamos a vida quando fazemos nossas escolhas.

Mas a morte, oh a morte, ela sim não permite que a levemos. Ela, por fim, sempre nos leva. Enfim, esse papo já estava me cansando. Eu apenas não entendia o grito da vida: nunca a deixarei, até

que você me deixe. Às vezes, eu pensava que significava que não devíamos desistir dela, que ela por si só não desiste de ninguém, somos nós quem desistimos.

-Mas, vida, por que é tão injusta?

- A vida é o espelho do homem. - Ela me respondeu.

- E Deus, onde está?

-Tão longe como tão perto - Falou com desdém.

-Somos o espelho de Deus?

-Não, Deus é o espelho do homem.

- O que quer dizer com isso?

-Nós criamos Deus a nossa imagem.

- Mas Deus não nos criou?

- Nós somos Deus, nós somos os edificadores.

- Mas, vida, eu nao entendo.

- Pense sobre essa contradição.

Obra e criador são um só. Se nós somos Deus e nossa obra somos nós mesmos... Nós nos criamos! E isso explicaria absolutamente tudo... A vida é o espelho do homem! Se o homem é Deus e a vida é injusta, é porque ela é reflexo da nossa injustiça. E tão longe como tão perto... Eu não entendia essa contradição! Talvez fosse porque Deus representa nosso ideal de perfeição,nosso potencial máximo, nosso eu-superior, a centelha que deixamos de lado para vivermos uma divindade inferior, um Demiurgo... Ele está perto, porque reside em nós e longe, porque o ignoramos.