E Inventaram o Conhecimento Absoluto
O conhecimento absoluto é uma invenção humana. Certa vez, na Grécia Antiga, Platão, embebido na ilusão de um pensamento, propôs uma alegoria, uma fábula, que explicava que o conhecimento existe no que chamou de “mundo das ideias”, seria uma espécie de universo paralelo ao universo material que temos acesso por meio dos nossos sentidos. Segundo Platão, o processo de conhecimento tem duas etapas: a primeira é a das imperfeições, das sombras, dos equívocos cometidos por nossos sentidos físicos: o nosso corpo capta uma parte do conhecimento absoluto e ideal, porém, é apenas um fragmento, é um conhecimento que precisa ser purificado, pois contém erros. Mas esta purificação só seria possível por meio de um processo racional, por meio da filosofia e da ciência, afirmava Platão. Utilizando a Razão, o homem poderia purificar o conhecimento imediato e imperfeito captado pelos sentidos e acessar o “mundo das ideias”, que era colocado por Platão como sendo um mundo eterno, perfeito, onde habitaria a totalidade das coisas e dos seres, segundo o filosofo.
A teoria de Platão afirmou haver um conhecimento absoluto, eterno e imutável num universo paralelo. Colocou esse conhecimento num grau de maior importância ao conhecimento sensorial imediato, declarando a necessidade de superarmos o conhecimento ilusório que possuímos por meio dos sentidos, para alcançarmos aquele novo patamar de conhecimento, seria uma espécie de iluminação. Por fim, Platão deu ao ser humano um status de ser especial, afinal, seria um ser superior, criado para dominar e evoluir por meio da ciência e filosofia. E aí a desgraça começou.
E A Invenção Contaminou o Mundo
Eu nunca estive em condições de concordar com Platão sobre o conhecimento que o tal propôs, e penso realmente que o mesmo contribuiu mais para a decadência do pensamento do que para a sua estruturação saudável. A filosofia foi vítima de Platão, pois apartir dele o pluralismo filosófico existente até então foi morto por uma única interpretação, e a maioria dos filósofos que surgiram partiram dessa interpretação, incorrendo no mesmo absurdo do idealizador de tal concepção.
Antes de Platão não se pensava que o ser humano era um ser demasiadamente especial, que poderia e deveria, por meio da ciência e da filosofia, dominar todas coisas. O homem era visto no universo com mais sobriedade, e havia sim o interesse de entender o universo, a natureza, as suas leis, mas não de domina-los, isso soava como um insulto aos pensadores anteriores a Platão. Os pensadores esqueceram a necessidade de conhecer o universo e todas as coisas para uma boa convivência do homem com a natureza, e isto deu lugar a necessidade de o homem dominar tudo por meio da ciência e do processo racional: surgiu então esse absurdo! Passou-se a debater sobre o caminho para alcançar o conhecimento absoluto, e exaltou-se a ciência em demasia, pois esta seria, de acordo com Platão, o caminho que levaria o homem a um novo patamar: a superioridade. Reconheço o valor da ciência e a evolução que esta trouxe para a humanidade em diversas áreas ao longo dos séculos, porém jamais a invocarei como palavra final sobre qualquer fenômeno, ou por meio dela, farei parte de algum escarcéu em defesa de um conhecimento ou saber absoluto. Fazer isso seria ignorar o fato de que a ciência sabe mais do que não sabe, do que sobre o que realmente sabe. Seria ignorar o fato de que a própria ciência reconhece seus limites, apontando, assim, para um além do limite, onde todas as possibilidades coexistem. Seria deixar de lado que a realidade humana é uma espécie de “faz de conta”: por meio da linguagem criaram conceitos e definições para o universo, os seres, as coisas, e “fazemos de conta” que tudo realmente é assim. O nosso contato com o universo é por meio das aparências e o definimos assim, pela linguagem que nunca foi absoluta, e tampouco um dia será. A própria ciência não revindica para si mesma o caráter absoluto do conhecimento, por isso me admiro quando vejo alguns desavisados fazendo isso em nome dela, nessa hora, lembro de Platão, que foi o primeiro a propor essa ideia.
Essa ideia de conhecimento absoluto foi inventada, sendo assim, cabe lembrar as palavras do maior filosofo de todos os tempos, Friedrich Nietzsche (1844-1900):
“Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, onde os animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza, congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer – assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza.”.