Sou de uma época

Sou de uma época em que 2000 parecia um ano muito distante, de uma época em que esperávamos 2001 como um ano de grande potencial, que já estaríamos a viajar pelo cosmos naturalmente. Até que 2000 chegou, passou e já virou história passada, já até parece distante, e de marcante apenas o problema do bug do milênio que deu um certo trabalho aos especialistas de TI, o ataque as torres gêmeas, o medo de alguns iludidos pelo possível fim do mundo, medo este que se repetiu em 2012 e nada mudou, a mesma situação de beligerância religiosa, politica e econômica, com a mesma distribuição de miséria e riqueza.
 
A humanidade é basicamente a mesma dos anos 60, 70, 80 ou 90. Somos aqueles mesmos pretenciosos que nos víamos como auge da evolução, somos aqueles mesmos que acreditávamos em revelações, previsões mágicas ou seres capazes de serem interlocutores diretos com algo de místico ou “superior”. Somos aqueles mesmos que não procuramos evidências, que acreditamos em autoridades do saber e que não checamos sequer as fontes de informações. Somos aqueles mesmos que víamos o capitalismo como a salvação da humanidade, que hoje ganhou uma vestimenta de neoliberalismo e globalização. O tempo passou, a ciência caminhou, mas a ganância, a vaidade e a desassistência social permaneceram, talvez até mesmo tenham piorado. Somos aqueles que víamos o Brasil como um país do futuro, futuro este que cinquenta anos depois ainda não chegou, com a mesma politicagem, a mesma economia, a mesma corrupção que corre solta, a mesma inação e a mesma falta de ousadia de nos expor por uma mudança do que aqui está, mas pelo menos uma coisa cresceu, a riqueza de religiões e religiosos, hoje temos uma maior democracia das religiões poderosas, ricas, milionárias, e que não param de enriquecer, o FM é praticamente uma floresta de rádios religiosas, o AM não fica por menos, a televisão, não preciso nada falar.
 
A evolução caminha a passos quase imperceptíveis, entretanto o conhecimento avançou muitíssimo mais rápido, assim nossa mente ainda é aquela mente de cem, duzentos ou muitos mais anos passados, com um volume de informações que confunde e assusta a muitos. O que mudou foi que a tecnologia nas mãos de seres antiquados, com uma mente falha e cheia de bugs, aumentou a tentação pelo poder e pela riqueza, e hoje somos em geral mais prepotentes do que antes, e em contrapartida presas mais fáceis da pseudociência e do misticismo, pois o ser humano médio não consegue acompanhar o progresso científico e acaba sendo ludibriado por aqueles charlatões e inescrupulosos que se usam de falácias científicas para conquistar, e enganar.
 
Somos, não todos é obvio, alienados com pose de conscientes, somos fracos e medrosos que se entregam a qualquer coisa que possa minimizar nossos temores, somos interesseiros em corpo de altruísta, vemos ainda os nossos em detrimento dos outros, nos vemos como imagem e semelhança de um deus maior e acreditamos que esta terra é temporária e que podemos dela nos utilizar como quisermos, pois nosso verdadeiro lugar não é aqui. Dizemos amar a vida, mas pela vida dos outros quase nada de verdadeiro fazemos, a menos de distribuir pequenas migalhas de caridade, e em geral com aquilo que sobra, ou que não mais queremos. Ainda vemos os pobres, miseráveis e excluídos como uma benção, ou para que eu possa fazer minha ação, nem sempre verdadeira, de caridade, ou porque minto de cara limpa e lavada que eles é que são felizes, pois terão passagem mais fácil para um céu que ninguém viu.
 
Hoje eu olho com muitas ressalvas para o futuro, não o futuro místico ou espiritual fora daqui, simplesmente porque nele minha parca inteligência não consegue acreditar, mas temo muito pelo futuro exatamente aqui, estamos exaurindo nosso planeta, estamos nos tornando cada vez mais preconceituosos e beligerantes, e as diferenças ficam cada vez mais exacerbadas, mas temos medo e vergonha de discutir os problemas seculares, sociais ou religiosos, em especial os religiosos porque entendemos ser de cunho muito íntimo e pessoal, e preferimos nos calar para não ofender aqueles religiosos fundamentalistas, quando eles estão nos pondo em caminho de beligerância crescente, mesmo aquelas religiões tradicionais praticam muito mais a segregação do que a união.
 
Sou de uma época em que acreditávamos que o homem tinha tudo para dar certo, mas não conseguia fazer isto acontecer. É, realmente quase nada mudou, continuamos nos iludindo que temos tudo para dar certo, que o amanhã aflorará em todos um amor universal, que somos no íntimo bons, que nossa índole é humana, que estamos no caminho certo... Só não posso asseverar que caminho certo é este, e para onde ele nos leva.
 
Sou de uma época em que o ano 2000 parecia distante, até nisto nada mudou, os de hoje são de uma época em que o ano 2000 também parece distante.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 24/02/2013
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