Liberdade

Como começar um texto é sempre um problema. Um texto é produzido com a invariável intenção de entreter – mas não pretendo, em absoluto, entreter. Quero que as pessoas pensem, pensem por si sós, e não que sejam levadas por um raciocínio meu. Porque isso seria desonestidade, não só para com o leitor, mas também para com a própria literatura. Há em nós alguma glândula ou órgão responsável pelas emoções que sentimos. Mas pode acontecer dessa glândula ou órgão falhar, hibernar ou – nos piores casos – necrosar. Não houve matéria que fizesse com que tal órgão ou glândula (absolutamente suposto, aliás) se desenvolvesse, programado que está a reagir de acordo com a realidade dos fatos, avesso à simulação, enquistando-se, consequentemente, e logo deixando de funcionar. E quem sabe inutilizando-se, o que é deveras triste de imaginar. Ora, o que quereria alguém portador de uma alma sensível com um golem frio de pedra, misto de carne e cimento, animado pelos desejos mais baixos que a natureza humana pode produzir? Sentir, sentir em si, e só em si, como um robô. Um robô sente apenas para si próprio, e é por isso que é considerado um programa. Segue uma programação solitária, e o seguir essa programação é todo prazer que pode obter da existência. Metal. Carícias de latão. Um enfisema de cobre, uma cirrose de orichalco, o que seja. Por mais nobre que seja o material, que seja ouro puro, é frio, é sílica, e pela informação que contenha é morto, mero dispositivo remontado sobre carne ou aparência de carne, organicidade. Ao nível molecular é tudo o mesmo, o mesmo vazio amorfo e sem sentido.

Por minhas veias corre a liberdade. Ainda que preso o sangue avança, e avançando é que ele é livre. Liberdade é isso, ter um mísero espaço para correr. Poder fugir de si mesmo, estando em si mesmo, é liberdade.