O AMOR


O amor não é algo existencialmente absoluto, sendo sentido como absoluto, apenas, em parte, e já assim não mais absoluto, pelo ser que o soube construir.
O amor é relativo, não pela sua incapacidade de ser ou transformar.
Relativo, pois complexo, variável e dependente.
Dependente do circuito neural e do fluxo de neurotransmissores.
Dependente do que e do como se percebe o mundo exterior, e do quanto por ele sou induzido.
Dependente de cultura.
Dependente da contínua negociação, e quase beligerância, inconsciente a maioria das vezes, entre os eus que me compõem.
Dependente também de vontade
Dependente até mesmo de coragem, ousadia e perseverança.
Dependente do que nasci, do como cresci, e do que ontem vivi.
Dependente inclusive dos valores, dos preconceitos e mesmo de medos, apegos e dependências.
 
Não sendo absoluto, não amo nenhum amor universal.
Por mais que possa parecer algo que tem existência absoluta por si só, o amor é uma construção pessoal.
O amor emerge de cada um.
Ninguém ama que não seja por si só.
Ninguém ama que não seja pela emergência do amor na complexa circuitaria de seu cérebro e pela bioquímica que envolve e dá vida a este mesmo circuito neuronal.
 
O amor é uma propriedade particular, é um “qualia” secundário que nos pertence por somente existir no que somos e no que estamos a nos tornar.
O amor é meu, sem que possa dele me apoderar ou ter domínio completo, ou posse absoluta.
Sua posse é sempre momentânea, por isto dependente de contínua construção.
Posso realiza-lo, mas posso perdê-lo com extrema velocidade.
Construí-lo é uma jornada diária, longa e complexa, porem perdê-lo, basta que deixemos frestas em nossa existência pessoal, para que sua estrutura se deteriore e assim desmorone sobre uma personalidade mutável.
Adoraria dizer que o amor não é meu, que é ele nosso ou universal.
Infelizmente, e não menos belo, complexo e mesmo misterioso por isto, o amor é sim meu.
Somente eu amo o meu amor.
Somente eu realizo a experimentação do meu amor.
Jamais viverei o amor de outrem.
Ninguém realizará a existência do meu amor.
O meu amor, do seu complexo relacionamento comigo mesmo, com a realidade que percebo e com a sociedade que me cerca, é assim variável e dinâmico, como mutável e adaptável é o circuito neural no qual ele emerge.
Esta mutabilidade não é desculpa para não persegui-lo, não construí-lo, ou não valorizá-lo, é sim desculpa para os omissos, os covardes, e os desumanos que se escondem culpando a mesma complexidade que o permite construir, como responsável pela sua não busca e construção.
Somos humanos, aliás, somos naturalmente tão somente homo sapiens, a humanidade que nos deveria diferenciar dos demais animais, não por sermos melhores, mas por ser nossa característica maior, deve ser construída, e o amor é uma de suas mais marcantes construções.
O amor diferencia.
O amor marca.
O amor verdadeiro nos faz felizes.
O amor nos faz plural.
O amor nos faz socialmente justos.
O amor nos dignifica, dignificando a existência humana.
O verdadeiro amor não segrega.
O verdadeiro amor nos comunga conosco mesmos e com a diversidade social.
O verdadeiro amor nos faz humanos.
O verdadeiro amor faz valer esta breve, única e fatal passagem existencial.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 23/02/2013
Reeditado em 23/02/2013
Código do texto: T4155484
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