Feito de Água
Quão fácil é nos perdermos de nós mesmos nos labirintos da vida. Às vezes falta-nos “Ariadnes” que nos presenteiem com o estimado fio do reencontro. Bem na verdade, talvez já nasçamos perdidos, chorando as mágoas em busca da mão que nos guia até o final dessa jornada em busca de si. Procuramos nos céus, nos espaços, em corações e em abraços. Precisamos do fogo, vivemos pelo ar, andamos sobre a terra, e o quão irônico nos parece quando nos achamos na água.
A ciência pode dizer que sou feito de carne e osso, e a religião alegar que vim do barro. Mas no fundo sempre suspeitei que fosse de água.
No silêncio dos lagos, não deve ser ao acaso que ele reflita a minha imagem, porque sei que meus olhos também refletem a dele. Porque fazemos parte um do outro, e nessas semelhanças que costumamos cobrir com a máscara da coincidência, não tenho dúvida que somos um.
Sou água porque simplesmente sou flexível. Não é de mim ter a dureza das pedras, nem o toque feroz do fogo.
Posso ser transparente, mas escondo meus segredos na profundezas de meu ser, para só quem tem a coragem de mergulhar me conheça realmente.
Sei ser água parada, maré cheia, mar turbulento ou imenso oceano. Cuidado que também fervo, e por vezes fico frio quando o ambiente assim que faz ser.
Moldo-me nas formas e situações em que sou levado, entro nos cantos mais improváveis.
Posso matar a sede de quem pouco pede, e afogar aqueles que muito se aproveitam.
Também sujo-me, torno-me impuro. Por isso evito aqueles que me contaminam. E quando acontece, reconheço meus erros e levanto a cabeça para o sol que é a verdadeira luz. Deixo que seu calor me leve aos céus, me evapore e me livre das impurezas. Até finalmente estar limpo, para fazer chover este novo aprendizado, ajudando a crescer aqueles que dele ainda precisam.
Para alguns sou sem gosto, sem cor, sem cheiro. Não importa. Pois água é assim. Até aqueles que não gostam, quando a veem, também se encontram um pouco...