Futuras lembranças
Ah, o entrelaçar das vidas! Pontilhando caminhos cruzados em vias miúdas: impossível dar a ré sem o outro, passar a marcha ou dar uma meia-volta que seja. Parece ensaiado de tão sincronizado! De perto ou de longe, não importa. O espetáculo vale como um balé num fim de tarde! Um a calçada o outro a rua. Muitos se esbarram, se bicam e trumbicam. Não se ajudam, não se aceitam, não andam. Fazem da viela uma via expressa. Tornam-se, por mau gosto, menos um na lista de formatura, na foto do porta-retrato, no brinde de Réveillon. Todavia, “benza” Deus, têm os que não estacionam, dão seu jeito, ganham uns ralados, passam uns apertos, mas caminham lado a lado. São os que realmente se encontram, trocam olhares, sorriem. Dão-se as mãos, se não o braço, as pernas, o vestido predileto, o batom vermelho, um esporro, um consolo. São esses que, no acaso de um dia chuvoso, uma aula sem graça, uma véspera de coisa alguma, descobrem que compartilham do mesmo desejo, odeiam a mesma música e são completamente apaixonados pela mesma marca de sabão em pó- ou qualquer outra coisa irrelevante, oras, vocês são assim e fim. Aliás, sejamos sinceros, são os que discordam de qual o melhor clima, o melhor filme da história e, principalmente, da beleza alheia! Mas, sobretudo, estão juntos. Juntos para dividir, somar, multiplicar e até mesmo subtrair, por que não? Excesso de sal estraga qualquer tempero. E não importa se essa tal rua é de paralelepípedo, se está um pouco desgastada, esburacada ou se foi coberta com pedrinhas de brilhante para o seu amor passar. O ponto chave é que ela tem sempre o meio fio, coladinha a ela, fiel, ouvindo suas graças e (des)graças- e essas são tantas! Eles enfeitam sua vida, desenham sorrisos, rabiscam uma amarelinha e escrevem, com você, as histórias que serão relembradas, numa tarde de domingo, com seus netos e bisnetos. Serão lindas essas viagens no tempo!