Meu Sonho Macabro
Ouço minha mente pulsar. Sinto o sangue correndo, sinto sua confusão. E sinto prazer aqui.
O som é suave; baixo o bastante para que o próprio silêncio o sufoque, e sua morte repentina é o vazio que desencadeia a calma.
O pouco de sanidade que sobrevive em mim é ainda sádico. Sádico, e digo mais: é orgulhoso. Joga-me ao fogo, para que queime, mas não morra; ata minhas mãos, para que não escape; prende meus pensamentos, para não deixar de controlá-los. Suo frio, me sinto agitada e congelada, opostos saborosos. Tudo que me faz, a tal da ilusória sanidade, é para que a sustente. Dá-me a caneta e o papel. No fogo e presa, obriga-me a descrevê-la, e, ainda, exaltá-la. É minha salvadora, de tom creme e aparentemente pacífica. Mesmo que isso seja negativamente alucinante, admito que se não por ela eu me perderia em mim mesma: nos pensamentos que me fogem e bagunçam, bagunçam o bastante para que queira esfaqueá-los, cortá-los dolorosamente; no fogo que queima com o espetáculo lindo: a vibração, não só do alaranjado flamejante, do vermelho pulsante, de um amarelo vivo e excitante; mas também, do som de estalos, o som de algo sendo consumido, depredado, definhando (posso ouvir os gritos, meus, talvez, de agonia), tão prazeroso som; ou o cheiro da fumaça e das cinzas, últimos restos do que deve ter sido ou tido alguma vida, existência, história; ou, até, o gosto quente e seco das faíscas, perfurando o que esbarram e rodopiando alegres, dançando, rindo-se. A vibração... sim, sinto as ondas pelo ar, sufocando-me as ideias. Talvez eu seja só fumaça e cinzas. Talvez quando, ao livrar-me da morte, a sanidade pensa me salvar, ela se engane e a mim também. Seja ela realmente ilusória. Esse fogo, que faz-me arregalar os olhos, para que não perca nenhum detalhe da destruição e que sinto, física e psicologicamente, engolir-me aos poucos, esse fogo, não me mata ao completo. Sou indestrutível e indomável.
Digo que, contraditoriamente, a confusão ofuscante pode ser meu escudo. Deveria morrer? Fugir de vez desse embate épico e inexistente, que me matem queimando a carne viva, exposta como prostituta, cometendo fornicação com qual realmente salva-me. De quê? De mim?
Nesse show macabro, onde pareço ser a única expectadora e apresentadora, com suficiente complexidade para subdividir-me e criar a platéia para minha própria dor e o próprio prazer que sinto ao expressá-la, talvez fortalecendo-a com palavras sujas, talvez diminuindo-a por encará-la.
Freneticamente, meu cérebro se excita ao perceber o que cria; o coração dispara, louco e desesperado, dominado pela vontade, como o bom monstro que é, de ter mais sangue, mais rápido; eu, pequena e frágil, pobre e ingênua, subordinada eternamente às palavras.
Esqueço-me da sanidade e da confusão; do meu sangue, já escasso; do meu cérebro, morto por pecar em excesso; do meu coração, fraco e infiel; e do meu desejo, um vampiro impiedoso, sensível demais para a própria natureza.
Meu anjo da Morte, meu salvador, meu sonho macabro, tão real quanto falso, meu medo e escudo, minha luz e Noite, são, na verdade, o texto podre que vomitei, minhas palavras, ou sementes, que me levam à total inconsciência e sabedoria.