Presa e Inquieta
É gostoso perceber como algumas pessoas simplesmente têm a capacidade de recriar o mundo no papel e torná-lo tão real. Elas se colocam ali, do jeito como se sentem, como se vêem, e isso é mágico. Uma imagem, um brilho no olhar, não é só um desenho. É uma alma, é a profundidade da sensação, é a vida em linhas, em cores, é a verdade, é a dor, o amor, é alguma coisa, qualquer coisa, exceto um apenas. É uma lágrima não vista, um coração não tocado, é um sentimento, é uma vontade, uma frustração, mas está ali, e te penetra, você não toca, você não ouve. Não vê a imagem porque a imagem não existe, não é apenas uma imagem! Não tem nada desenhado ali, não há desenho, há... algo mais. Indefinível, mas expresso. Se você vir um desenho, é por que é burro, ignorante. Você, não o desenho. Se você vir o desenho, vir uma imagem, você é cego. Se você não vir nada, mas sentir, mas doer, mas amar, se você não vir nada, mas enxergar além disso você está vivo. E vivo, e vivo, e vivo! E aquilo que você não viu entra, te penetra, te consome, te absorve, te assusta, te impressiona.
Viram que eu falei, falei, falei e não disse nada? Esse tipo de expressão humana não é algo que se descreva com palavras. Não é algo que se fale. É algo que se sinta. Você não entende, você não enxerga, você está afundando.
Todos nós.
Estou mentindo pra mim mesma? Parece que sim. Eu quero gritar, mas não tenho voz!
Sabe por que vim escrever? Eu não sei. Vim porque queria me sentir também, da mesma forma que aqueles desenhos abriram um buraco na sensação ilusória de conforto, quis traduzi-lo em palavras. Mas isso não é verdade.
Quem sou eu? E por que?
Eu não estou aqui. Eu não falo, não respiro, não escrevo. Eu não existo.
Eu uso as palavras pra gritar, porque não tenho voz. Eu as escrevo, e as escrevo, e elas não fazem nada. Elas me matam, e eu dependo delas. Elas me matam, porque eu não as sei usar. Elas estão me destruindo, me sufocando, porque sabem mais do que eu sei, elas enxergam mais do que eu e se misturam para me cegar.
Queria poder fazer um desenho. Não sei desenhar. Mas posso tentar, usando apenas estas pequenas malditas palavras. Elas também criam formas, cores, descrevem e falam.
Uma rosa. Grande e vermelha. Uma folha de papel toda em branco. No centro, a rosa. Grande. E ela cresce. A folha não é mais branca. É vermelha. Escorre uma gota. Não sei se é tinta ou sangue. Uma gota vermelha corta, não o papel que já foi consumido, corta um coração. O coração é de uma garota. A garota está sentada num canto de um quarto, sozinha. Ela se abraça. Está frio. Se abraça, e chora. Não há cores. É tudo cinza. Mas aquela gota vermelha colore um coração. Ele não está partido. Ele não existe. Lá dentro, há um eco. A garota chora, mas não há som. Só aquele eco do coração que não existe. Ela grita, bem alto. Dói. Não sai voz nenhuma. Sai dor. A dor se propaga pelo quarto. As janelas se quebram. Está escuro lá fora. Já é noite? Sim, a noite já chegou. A garota sorri. Não tem voz, mas gritou e libertou aquela dor. Não era tinta. Se sentiu livre. Levantou-se, caminhou lentamente até as janelas quebradas. Abriu-as. Cortou-se com o vidro. Outra gota vermelha escorre pelos dedos finos e úmidos. Estão brancos. Um pouco arroxeados. Olhou para fora. Ah, noite. Sem Lua. Só o céu azul, confortavelmente assustador. Ouve um chamado. Pula, se entrega. Se sente livre. Livre.
Me desenhei. Talvez eu esteja morrendo, talvez já esteja morta. As palavras formaram cores, as cores são vermelho e cinza. O amor, a dor, o sangue e o vazio, o nada, a mistura do medo e da calma.
Não me sinto. Não sei por que, não sei se estou aqui. Acho que não estou.
Há o meu coração, não partido, cortado. Ele sangra.
O meu cérebro não pensa mais. Ele se odeia por não pensar. Ele não quer pensar, porque não enxerga. Ele quer ver, mas não pode. Ele não consegue caminhar. Cérebros que não caminham estão mortos.
Alguém vem me salvar? Não. Todos já se foram. Os que restaram não me vêem, pois me escondo. Todos morreram. Todos que nunca caminharam. Foram mortos por sua incapacitação. Assim como eu também serei. Mas não consigo morrer. Ele vê alguma coisa. Ele vê, sim. Uma luz? Não. A luz não é a solução. Não é. O Sol não existe mais. Nem a Lua. A Lua precisa do Sol. Está de noite porque não tem Sol, mas é dia, pois não há Lua. Ele não entende, mas percebe. Isso não o faz caminhar, mas não o deixa parado. Está preso, porém, inquieto.
Estou presa, porém, inquieta.