UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE PAIS E FILHOS, UTILIZANDO O AMOR CONHECIDO COMO DIVINO.

O filho é o verdadeiro outro, pois é o inesperado, que está além de todos meus planos. Como uma vinda além-do-possível e além-dos-projetos, como se prenuncia na Bíblia quando, em Isaías 49, lê-se que "meu filho é um estranho".

Mas o fato é que este filho não é apenas um estranho porque não pode ser "meu", e sim porque esse ente é um eu que também sou "eu". Haveria uma certa alienação nesta relação de paternidade ou de maternidade, pois o filho é um eu estranho a si, ao mesmo tempo que sou eu me estranhando a mim mesmo nele.

Na paternidade ou maternidade, o eu liberta-se de si mesmo, sem deixar de ser um eu, porque este outro eu é seu filho. O pai não produz ou causa simplesmente o filho: ser seu filho significa ser um eu no seu filho, estar substancialmente nele, sem, no entanto, nele se manter identicamente. Não há identidade: o filho, como o futuro, é inevitável, desconhecido e inesperado.

Mas isto não desresponsabiliza de modo algum o pai ou a mãe, pois, ainda assim, trata-se de uma escolha, uma decisão. Eu devo escolher meu filho, meu filho que é sempre único, enquanto ele permanecerá sempre exterior a este que o escolheu. E o filho é sempre filho único porque é sempre um filho "eleito", e só assim o amor do pai ou da mãe realiza a única relação possível com o outro. O que quer dizer, em alguma medida, todo amor deveria se aproximar deste amor paterno ou materno no qual o filho é único para si porque é único e eleito por seu pai e por sua mãe.

O filho, ou o "terceiro", é a figura mesma da responsabilidade.

Mas como? Se todo filho é filho único, o mundo torna-se então um mundo de irmãos: eu sou único entre meus próximos, como irmão entre irmãos, e eu sou eleito. Em que sentido, dever-se-ia perguntar? Como posso eu ser eleito entre os semelhantes? A resposta a esta questão encontra-se no fato de que eu devo manter-me voltado eticamente para o rosto do outro. O que se entende por "fraternidade" é a própria relação com o outro, em que se realiza, ao mesmo tempo, minha eleição e aproximação de igualdade nessa condição entre todos.

O Todo-Outro nada mais é que o fato de que em todo o outro Deus está presente. Diante Dele, todos somos seus filhos únicos, eleitos por Ele, irmãos entre irmãos, posto que Sua Palavra está presente no rosto de todos e já se encontra, originalmente, no mandamento "ama teu próximo como a ti mesmo". E isso, nos termos concretos, práticos, que apenas quer despertar a possibilidade da bondade no mundo, diz respeito ao tão falado "amor ao próximo". Tal amor, o amor a todo aquele que me aparece, é fruto de uma experiência radical como este terceiro. É esta experiência radical que se tem do filho (ou da obra de arte) que pode mostrar ao eu a possibilidade da bondade e a urgência da justiça.

E é por isso, finalmente que delega o caminho para a responsabilidade.

Resulta, então, na sentença de que "a relação com o outro é amor e justiça" e que possibilitará cada vez mais um tratamento político, a partir desta atitude tão rara, "difícil" e provocadora legada pelos mais ilustres seres que apesar de tudo, procuram fazer algo pelo próximo.