NEM ME LEVO MAIS A SÉRIO. PIOR: CREIO

Escrevo pouco, rabisco muitíssimo e bebo um vinho moderado. Palavras sem apego massacram em peso um caderno espiralado; tinta azul às toneladas nessa sessão de descarrego... Algumas frases duras desmancham-se ao papel formando ,desunidas, um texto-prédio, espécie de Torre de Babel. Em seguida, lendo-as, soam-me sérias; e, por este mesmo motivo, pretensiosas, tolas. Passo a negá-las, todas. Esfrego cada letra de lavra própria nesta minha cara deslavada e ainda choro por elas. Abomino aquela bazófia... Lamento cada palavra-verso, julgo-as perdidas. - Ah, malfadados signos tortos de rima - Depois de um tempo nesse clima de cemitério o sangue esfria. Levanto bufando, vou ao banheiro, acotovelo sem sossego o corrimão da sacada, depois enxugo a louça da pia, por fim coço o aveludado braço do sofá da sala e me esqueço. Na volta, pesaroso, de novo leio. E então, por Deus do céu, nem me levo mais a sério. É pior: creio em tudo, tudo postado no papel.