JÁ DISSE TUDO
Já disse tudo. De tal forma é tanto que, de tudo, ficou nada. Agora busco numa visão mentecapta qualquer uma nobre oração exclamativa ou imperativa, interrogativa ou afirmativa, mesmo aflitiva, que me traga algo puro, novo, que me livre dessa escravidão ou que sirva a alguém para libertar-se da sua. Sim, já disse tudo. Frases longas ou curtas, intrincadas ou rimadas, conexas, desconexas, inversas, péssimas, horríveis ou ótimas, umas negando as outras num fluxo impiedoso de letras, a formarem uma mandala que nunca se fecha. Pois aqui vai mais uma linha para emendar-se à primeira que, pela graça de Deus, perdeu-se no tempo, inteira de tão igual às outras... Mas a mensagem está dada, o mais importante está revelado. Não na vala prosaica destas sintaxes, mas nos vãos entre os parágrafos. No espaço. No vácuo. Na vida a ser aproveitada. O que vale à pena, percebe-se, porém só nas entrelinhas. Porque já disse tudo. E o tudo em que pensarei a partir deste segundo ao instante finito desta louca existência que me resta, será em como são por deveras belos os versos que jamais serão escritos.