"Brilho eterno de uma mente sem lembranças"

Ontem fui ao aniversario de 77 anos da minha tia favorita. Passei a infância fugindo pra sua casa, como forma de refúgio (e repúdio) das tarefas domésticas e assim fazer o que de fato me agradava: ler os livros de sua respeitável biblioteca particular. Foi assim que cresci, entre livros, laranjas (minha fruta predileta que ela nunca deixava faltar), broncas e algumas lapadas ministradas por uma mãe revoltada com a minha negligência ante as obrigações do lar.

Embora satisfeita por revê-la naquela ocasião festiva, me vi confrontada com os danos psíquicos causados pela senilidade. Conversamos por quase uma hora e nesse espaço de tempo, por dezenas de vezes, ela interrompia bruscamente o diálogo para perguntar: "Quem é você?". Tentei levar com bom-humor e natural e pacientemente respondia: "Tia, é a Luciana", mantendo o cuidado de não afligi-la com comentários impertinentes e desnecessários sobre o fato de já estarmos ali conversando há bastante tempo.

Não obstante o otimismo com que lidei com a situação, voltei triste por perceber que alguém que por tantos anos fez parte da minha vida e que de certa forma ocupou um importante espaço como segunda mãe e mentora intelectual, está, de repente, me esquecendo. E que, pelo andar da carruagem, provavelmente me perderá em meio ao processo degenerativo de sua outrora privilegiada memória. Além de ser esse o prenúncio do inevitável retorno à pátria espiritual, deixando-me aqui, com o típico remorso de quem sabe que poderia ter feito mais e com a esperança consoladora de um futuro reencontro na eternidade.

Feminista de Arake
Enviado por Feminista de Arake em 24/01/2013
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