Rio de Janeiro

Ontem estava tomando um chopp com uma amiga e falando bobagem, rindo dos nossos amores. Em certo momento ela me contava sobre um menino com quem iniciou uns amassos no carro, mas que acabou por convidá-lo a subir, pois ela já havia sofrido um sequestro e desde então não achava que ficar no carro era seguro. Ela, que fala pelos cotovelos, sequer parava para respirar entre uma frase e outra. A observação sobre o sequestro passou batida como uma observação sobre o tempo que estava chuvoso. Era só um fato a ser levado em consideração na hora de se fazer escolhas.

Minha reação ao comentário solto entre gargalhadas foi: "aham, pois é, eu também". Meu "eu também", não foi só eu concordando que era perigoso, mas sim eu concordando que desde que eu fora seqüestrada também não me sintia segura.

Talvez, da minha parte, um pequeno sinal de tristeza tenha passado pelos meus lábios por segundos quando lembrei do episódio. Mas vida que segue e falemos dos nossos casos! Afinal, tive que aprender a não me abater por essa memória. - E aí? Foi bom?

Mais tarde, já em casa, voltei a pensar no assunto. Duas amigas. Duas experiências de sequestro.

Nao é a primeira vez que isso acontece. Diversas vezes já mencionei que fui seqüestrada e por diversas vezes já ouvi "ah é? Eu também!". Me incomoda, no entanto, ver que muitas pessoas sequer esboçam aquela tristeza - nem mesmo quando esse é o assunto principal, e não um parênteses.

Acho triste e quase revoltante ver que essa situação é aceita como parte de nosso cotidiano. Vivemos em uma sociedade onde ser seqüestrado é normal.

Por anos tive raiva do carnaval. Raiva da alegria do povo. Raiva da cidade. Como essas pessoas celebram a felicidade em meio a tanto caos? Quis morar fora única e exclusivamente por causa dessa violência de merda com a qual somos obrigados a conviver. Me doía ler as notícias de assalto nos jornais. Eu sentia pelas vítimas como nunca antes. Eu sequer conseguia ouvir pessoas por brincadeira imitarem a forma dos marginais falarem. Cidade de Deus eu não consegui assistir.

Mas o tempo passa. Aos poucos voltamos a ser pessoas frias. Nos afastamos daquilo que não é nossa realidade. Eu ainda engasgo para falar que amo o Rio, mas adoro a energia da cidade. Ainda me chocam as notícias, mas garanto - muito menos. Tomo um certo cuidado, mas não deixo de sair. O medo às vezes surge se estou parada em um sinal à noite, mas é bem mais fraco. BEM mais.

Mas tristeza ainda sinto. Tristeza pela falta de respeito que todos nós temos - em diferentes graus - à convivência em sociedade, ao direito pela vida e à importância da segurança. Me corrói ouvir pessoas dizendo que acham o Rio seguro "pois nunca me aconteceu nada".

São cegos, ignorantes e principalmente egoístas, pois não lhes aconteceu nada, mas a vizinha levou um tiro na cabeça e isso foi só azar.

Não sei o que é certo ou errado. Acho até que eu estou mais errada do que certa, pois tenho deixado minha revolta adormecer. Por outro lado, sei também que não adianta eu viver enterrada no medo, pois estaria deixando de viver e isso não ajudaria nem a mim e nem a ninguém.

Esse é o ponto. No final das contas, me sinto impotente. E a impotência é um dos sentimentos mais frustrantes que podemos pode ter.

Lina Cohen
Enviado por Lina Cohen em 21/01/2013
Reeditado em 29/01/2013
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