DIANTE DO ESPELHO

No início da madrugada de 21 de janeiro de 2013

Ela se olha no espelho e lê, nos próprios olhos, refletida, a pergunta de sempre: “Por que a vida me chega sempre tarde, e sempre impossível, e sempre impossível, e sempre impossível, e sempre impossível, desde que me sei, desde que me penso? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Será esta uma maldição que me jogaram, sobre a vida, os deuses antigos, por crimes dos meus ancestrais? Será que nunca passei, nem passo, nem passarei de mero bode expiatório? Ou será que a vida me tem chegado sempre cedo demais, de todo modo, impossível, sempre?”

E a pobre mulher, em pleno século XXI, sente-se, mais uma vez, personagem de mito, personagem com história ainda não inscrita nos livros de mitologia e que nunca o será, inscrita nem escrita, certamente, jamais, porque nascida póstuma a si mesma.

Não: talvez se pareça com alguma personagem de Fellini, ou de Visconti ou de Truffaut... afinal, artistas que tinham o saber e o sabor dos mitos em seus ossos e em suas veias, saber e sabor transpostos a seus filmes, quase sempre de trágicos finais – e a mulher faz o sinal da cruz, menos por ela mesma do que por outrem... por outrem... por outrem... por outrem...

Pobre mulher, com seus intransponíveis Códigos de Honra! Tenho muita pena de ti. Muita pena, mesmo! Deveras, tenho muita pena de ti, muita pena... Orarei para que um deus benévolo te subtraia aos destinos de sempre... Orarei por ti, mulher. Certamente, orarei por ti. Certamente, orarei...

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