SOU

Posso evitar ou fugir de muitas coisas, mas estou confinado a ter que me aturar por toda a minha existência. Jamais serei senhor de me abandonar, jamais deixarei de estar comigo mesmo. Serei eternamente, enquanto vivo, servo e senhor, escravo e soberano, ator e diretor de mim mesmo. Somente existe uma alternativa, a morte, mas esta significa o fim do sujeito e do complemento, o fim do ser e do existir, enfim o fim absoluto incondicional e irrestrito do que vive, do que experimenta, do que realiza e do que tenta fugir.

Tento me esconder de mim mesmo, mas sendo eu, o eu mesmo que vive e existe, mão há como possa realmente me esconder de mim mesmo, é a sina dos vivos: Viver sua única existência real, sendo muitos e complexo.

Posso enganar os outros. Por um tempo posso até acreditar que me engano. Posso me drogar, posso me embebedar, mas mesmo bêbado, drogado ou fingido, serei eu mesmo realizando uma existência passageira drogado, bêbado ou iludido.

A fuga do eu é impossível, pois sou minha mente, e minha mente produz os entes que sou baseado em meu circuito neural e nos neurotransmissores que o irrigam. Assim sou o que física e biologicamente sou. Por sorte o cérebro é plástico e possibilita rearranjos múltiplos, posso assim mudar, e mudo o tempo todo, sendo hoje diferente do que ontem fui, sendo agora diferente do que a instantes fui, sou sugestionável e tenho, como todos, uma série de bugs no processo cerebral, por isto sou complexo, mas serei sempre eu, um eu que é diferente ao longo do tempo, mas que possui uma linha básica cerebral definida que sofre ajustes constantes pela plasticidade parcial que o cérebro permite.

Se não posso abolir-me, resta-me assumir-me e realizar uma vida comigo, construindo e sendo afetado pelo mundo, buscando crescer e encontrar minha real humanidade.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 17/01/2013
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