Ralo Abaixo e Adentro
Bom, eis aí um dia novinho em folha pra eu desperdiçar saindo da cama. Amo esse covil que construí: a parede recheada de livros e de esqueletos de skates; a televisão de tela plana com videogame e DVD nela espetados; o ar condicionado, a cama... Todo um aparato para um entretenimento inexistente, vez que não me sobra tempo. Mas, o. O silêncio, a solitude. Solitude, porque solidão não existe. O que existe é essa perseguição a si mesmo, essa busca constante pelo toque no próprio eu; eu-intangível. Tem ali um Hemingway que não passei da décima página. Dois Hermann Hesse que me fazem pensar no quão ele era persistente enchendo páginas com adjetivos para no fim não dizer absolutamente nada. Um livro espírita de 800 páginas que fala sobre o inferno dos suicidas; um calhamaço cheio de relambórios e descrições de léxico requintado que no fim te fazem perder tempo recorrendo ao dicionário. Não que isso seja ruim, mas entre o livro e o dicionário sempre há uma distração mais interessante carecendo atenção. Um falo inerme representando a burrice, por exemplo, pronto para ser enrijecido e introjetado no meu cérebro. A idiotia é sedutora e está sempre à espreita. Preciso de uma buceta e de um pouco de carinho. Agora. Algo que amacie essa minha rabugice: um melindre ou um fio que escorre por entre as coxas. Que me faça esquecer que fora dessas paredes eu sou só mais um e mais ninguém. Esquecer que querem que eu demonstre paixão na disputa de um osso secularmente roído, onde não há nem sequer uma gota de tutano a ser sugada. Quero ficar aqui numa boa ouvindo Smiths. Tentando contabilizar quantas foram as mulheres que o Morrissey deixou de beijar. Ou homens. Esse ócio improdutivo, porém todo meu. O meu tempo. A meu tempo. Quero me perder me sentindo escorrer pelos dedos como um punhado de areia. Ter a consciência de que estou vazando de mim, indo ralo abaixo e adentro. Ida sem volta.
Hora de levantar pra tomar tapa na cara.
Joy Division - Disorder
15/01/2013 - 05h50m