Os bons momentos
Circunstâncias ordinárias produzem momentos felizes. Nada é preciso, exceto o nada. Nenhum aborrecimento ou obrigação, dentro de um dia perfeito, ainda não feito, por fazer-se. E ele se faz sem nada de muito significativo. A insignificância das coisas que permanecem por breves momentos, em oposição aos assuntos graves, que muito significam em chateações, que duram uma vida inteira, fracionada pelos lampejos de nada. Parênteses dentro das obrigações, coisas enfadonhas que atrapalham, que se aderem ao momento e o convertem em tempo vertido e perdido para a vida real. E nos intervalos dos parênteses pode-se colocar tudo. Uma felicidade poder usar as mãos e criar objetos inúteis para qualquer um exceto para o seu criador. Obra que perdura, não tem valor de troca, mas não me canso de olha-lo, de admira-lo, aquele pequeno fragmento de realidade, obra acabada e inteira, que permanecerá durante muito tempo a me relembrar de que é possível se atingir a perfeição fugaz do momento. Como numa mandala, a perfeição se faz para desfazer-se logo em seguida, na mais exata das artes plásticas porque sua permanência é a destruição de si mesma em troca de um momento de felicidade.
E isso ocorre com a culinária, a arte da alquimia dos ingredientes, do preparo meticuloso, do momento das transformações de matérias brutas em gosto e forma. Passamos toda a manhã no preparo, escolhendo os melhores componentes, limpando, dissecando em partes unitárias e precisas, misturando a arrumando-os em travessas, fazendo a transformação pelo calor, pelo frio, integrando harmoniosamente a química dos sabores e das fragrâncias, até se ter um objeto perfeito. Depois, o admiramos e o destruímos. E assim se faz o dia de belos momentos.