O nada, nada mais pode ser

O nada, nada mais pode ser do que aquilo que ele já é, um nada, ou seja, ele nada mais é do que o próprio nada, posto que nada sendo, nada pode ser. O nada, nada nele pode incluir ou criar, tudo exclui por pura definição existencial. Por princípio, o todo, do nada não pode vir. O nada não pode conter o tudo, seria ilógico, entretanto é logicamente natural que o tudo, por si só, inclua em seu escopo aquele nada.

É de difícil argumentação lógica justificar que do nada possa ter surgido o todo, em contra ponto, minimizando a assertiva anterior sempre podemos argumentar que o tudo sempre teve uma existência plena e eterna, mas é também difícil sustentar que algo, qualquer coisa, e em especial o todo, tenha uma existência eterna, mesmo que transmutada em algo que desconheçamos, algo de natural, mas eterno, permanente e infindável. Em contrapartida, é lógico e natural imaginar que por regressão contínua, ultrapassemos o big bang e percebamos existência anterior a ele, seja neste caso o termo “antes” definido de forma abstrata, pois a nossa realidade existencial somente tem sentido após o big bang. Quem me acompanha a mais tempo, sabe que defino a passagem do tempo como uma necessidade matemático-físico-biológica e não uma realidade explícita e real. O tempo para mim não passa, não flui, não avança nem retrocede, ele não é e nem representa nenhuma seta temporal. No mesmo molde do espaço, o tempo (a dimensão temporal) simplesmente é, simplesmente existe, sendo assim uma dimensão adicional, necessária e intimamente integrada com as dimensões espaciais. O tempo e o espaço formam uma espécie tão associada e agregada que formam um único corpo existencial, me permitam dizer simbioticamente coeso e associado. Neste contexto o termo temporal “antes” fica sem sentido, mas desconheço qualquer outro termo que possa exemplificar o que mentalmente construímos como passagem do tempo, em especial que referencie eventos, fenômenos ou fatos que percebemos como ocorridos à frente de outros, mesmo sabendo que a relação antes/depois é totalmente relativa e sem um sentido real existencial, quando analisada em separada, uma vez que apenas a unicidade espaço-temporal tem sentido absoluto.

Retornando desta divagação, por mais que “regressivamente” retornemos em nossa percepção, acabamos por chegar a um paradoxo existencial, aquele no qual cremos que cada “coisa” sempre teve um ou mais eventos que lhe foram precedentes e causa de sua origem, onde cada evento possui uma causa primeira, mas ao seguirmos por esta trilha de raciocínio acabamos, por indução, imaginando ou um ciclo eterno e infinito de regressão, ou então acabamos imaginando que em algum lugar neste caminho espaço-temporal, algo deve ter surgido de um nada, o que parece ilógico e paradoxal. Ao mesmo tempo em que tudo deve ter uma ou mais causas que lhe “antecedem”, acabamos sendo remetidos a uma crença na qual, no início existia tão somente o nada, acabamos assim imaginando indutivamente um nada inicial. Sempre podemos incluir deus nesta equação e dizer que deus criou o tudo, mas o paradoxo continuaria. Quem criou o deus que criou tudo? De novo, um deus (que seria um tudo pleno de poder e capacidades) teria que existir por excelência eternamente no nada, ou teria de ser criado deste nada, o que também é ilógico. Com a inclusão de deus na seqüência de raciocínio apenas voltamos mais um passo em nossa regressão, e fisicamente em nada resolve nosso problema, continua existindo um “alguma coisa” (deus) que surge do nada. Poderão afirmar que deus existe por excelência por todo o sempre, mas se posso aceitar esta afirmação, posso muito bem também aceitar a assertiva de que a natureza, conhecida e desconhecida, possa também, como energia e matéria, ou mesmo como algo que ainda desconhecemos, sempre ter existido em “multidimensões” e em multiversos. Caso aceitemos que a existência do real, seja este real o que for, tenha uma existência perene e eterna, onde apenas a transformação, como um atributo ou qualidade de tudo, seja ator e reflexo desta real eterna existência, conseguiremos terminar com o paradoxo de algo ter surgido do nada, mas ao custo de permanecer na mente um gostinho amargo de ter de aceitar que algo tenha sido por todo o sempre, que algo é e será para todo o sempre parte de um todo real, mutável, transformador e maravilhoso, mas eterno.

Cabe lembrar que o nada não é o vazio, que o nada nem mesmo é um vácuo, mesmo que perfeito, uma vez que para a existência do vácuo, mesmo que perfeito (o que é impossível fisicamente pela flutuação quântica) implicaria pelo menos na existência prévia das dimensões espaciais, o que por definição já seria alguma coisa, não podendo assim o nada ser.

Discorrer sobre o nada é fácil, tarefa difícil é discorrer de forma crítica, lógica e analítica, explicando o que este nada é, o que este nada pode ou deve ser. Fácil de falar, difícil de entender, difícil de modelar, difícil até mesmo de pensar sua existência. O nada, nada tem de ser. O nada, nada pode ser de concreto, pois o nada, nada é. O nada, nada foi ou nada pode ter sido, e nada terá de ser. O nada, nada é, sendo assim muito difícil para nossa percepção consciente construir mentalmente este nada absoluto, uma vez que nossa percepção foi ao longo do tempo dirigida por eventos, por fenômenos, por fatos, ou mesmo por idéias que normalmente representam algo. O nada, para nós, é mais uma abstração mental, filosófica ou matemática, é um ente físico de difícil construção mental, é uma realidade conceitualmente possível, mas pragmaticamente praticamente impossível, o nada é um construto mental de difícil elaboração visual, mas de fácil crença.

Cabe uma provocação, o tudo também nada MAIS pode ser, posto que já sendo tudo, não há mais nada de novo para ser...

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 19/12/2012
Reeditado em 19/12/2012
Código do texto: T4042725
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