Eu que ainda não fui.

Parece um pouco tarde para milhares de coisas que eu deveria ter feito ontem, mês passado, cinco anos atrás, dez, vinte. Em cima da mesa tem uma lista enorme do que ainda está por vir, e eu não sei onde há o descanso, nem onde a paz atinge minha mente. Todos os dias são lutas intermináveis para chegarmos sempre em algum lugar que nem sabemos onde é, nem onde nos leva, nem os motivos, nada! A gente só vai, vai, vai. Aonde? Quando eu percebi isso – que a vida não tem propósito nenhum além de ser, estar e sentir, no presente – eu entristeci por não ser como todos os ignorantes que estão sempre sentados em suas cadeiras, em seus escritórios, fazendo suas coisas e assim ser incompreendido perante eles. Eu queria o proibido, o errado, o fora de ordem, só pra não ser mais um. Enquanto o mundo acontece e gira, criando e desfazendo ciclos infinitos e uniformes na vida de todas as pessoas, eu faço meu próprio eixo e determino quando é hora de repousar, quando há a gravidade, quando há luz ou só escuridão. Porque esse foi o único jeito que eu encontrei pra ser feliz e porque eu fiquei imensamente satisfeito quando eu olhei pro meu avesso e ele era aquilo que eu queria ser, enfim. Enquanto isso todas as pessoas continuam fazendo suas coisas, estando sempre à frente, sempre indo, indo, indo. Aonde? A vida é um morro enorme que você se mata de escalar para chegar ao topo e alguém ou algo te empurrar para baixo outra vez. Às vezes você sobrevive à queda e recomeça outra vez. Às vezes, suas chances por aqui acabaram... E as pessoas que temem a morte, porque precisam terminar de pagar o carro, precisam de dinheiro pra uma viagem futura e precisam planejar o casamento? Eu troco carro, dinheiro, futuro e casamento por um banho de chuva. Acho que se eu morresse daqui a pouco, seria com um sorriso no rosto. Não porque eu cheguei onde queria, mas sim por não ter lugar algum bom o bastante pra chegar e assim qualquer lugar e conquista, por menor que fosse me faria feliz. Porque ontem no final da tarde eu saí mais cedo da aula pra tomar um sorvete, e hoje eu levantei mais cedo pra ver o sol nascer. E se amanhã chegar, eu ainda quero meu banho de chuva! E se eu morrer antes de chover, bom, eu tomei o meu sorvete. A lista ainda está em cima da mesa... Pagar contas, frequentar a faculdade, limpar a casa, ir ao médico, fazer compras, marcar presença em festas, e meu descanso? E meu tempo para viver? Porque viver não é nenhuma dessas obrigações... Viver é sair mais cedo da aula pra tomar o bendito sorvete, é aproveitar cada segundo de um fim de tarde nublado e deixar o vento bagunçar o seu melhor penteado. Viver é tanto e tão abstrato e todo mundo achando que a rotina é vida. Rotina é prisão. E quando me prendem, me sufoco e enlouqueço, ainda que em silêncio.

Se me vir por aí, na rotina dos comuns, vem andar comigo... Mesmo no meio de todo mundo, eu tenho tentado sonhar. Mesmo no silêncio de uma sala de aula, minha cabeça cantarola uma música, minhas mãos escrevem poesia, meus olhos veem arte e eu sinto, enfim, que não pertenço completamente a esse mundo. Então, tudo bem se eu for embora.

Mas eu amo estar aqui. E enquanto estiver, procurarei nas vielas mais escuras, nos cartazes, vitrines e pessoas, qualquer sorriso ou amor bonito o bastante que colore um pouco mais, que adoce e que entenda comigo o que é viver. Enquanto isso não acontece, as obrigações entopem o mundo como grades transparentes que me doem a pior dor quando eu percebo que estou ali, fazendo as mesmas coisas que todas as pessoas, para todos nós chegarmos ao mesmo lugar. E vamos, vamos, vamos. Aonde? E ninguém sabe...

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 11/12/2012
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