SOBRE A CAUSALIDADE DIVINA

Tudo bem, concordamos que perguntar quem ou o que causou Deus é uma pergunta um tanto infantil. E é mesmo, ateus. Não adianta reclamar. Quando algum teísta usa o argumento de que Deus é a causa de tudo, não estão dizendo que tudo tem causa, mas sim que, por alguma razão qualquer (que varia de um argumento para o outro), tem que existir uma primeira causa, e essa causa é Deus. Perguntar qual é a causa da primeira causa é uma coisa sem sentido, assim como perguntar quem chegou antes do primeiro colocado numa corrida.

No entanto, recentemente vi um teísta comentar sobre isso e não percebeu que o que ele fez foi criar um argumento contra si mesmo. Dizia ele que não faz sentido perguntar qual a causa de Deus porque antes do Big Bang o conceito de causa-e-efeito não se aplica por conta da inexistência do tempo nesse estado. Sim, ele está completamente certo sobre isso, mas ele não percebeu uma coisa: se não havia tempo e, consequentemente, não havia causa-e-efeito, como Deus poderia ter causado o tempo e o Big Bang? Ora, a causa é necessariamente anterior ao efeito. Se não existe causa e efeito antes do Big Bang, Deus não pode tê-lo causado. Em outras palavras, a crença dele de que não existe causa-e-efeito antes do Big Bang é incompatível e contraditória com a sua crença de que Deus é causa do universo e do Big Bang. É impossível que ambas sejam verdadeiras ao mesmo tempo. São crenças claramente contraditórias.

Outro teísta, vendo a encrenca em que seu companheiro tinha se metido, tentou reformular o argumento. Ele admitiu que são realmente duas crenças contraditórias, mas apenas se considerarmos que a causa é anterior ao efeito, mas não se puderem ser simultâneas. Em outras palavras, Deus teria causado o Big Bang no mesmo instante em que este passou a existir. No entanto, essa ideia também é impensada. O que define causa e efeito é o fato de esta ser posterior àquela. Se dois eventos, A e B, são simultâneos, por que dizer que A é causa de B e não o contrário? Não haveria nenhuma razão especial para isso. Além do mais, a tal causalidade simultânea levaria a absurdos contra-intuitivos. Por exemplo, algo poderia causar a si mesmo. O que impede que tal absurdo aconteça é que a causa tem que ser anterior ao efeito, sendo assim, algo teria que existir antes da sua própria existência, o que é absurdo. Mas se causa e efeito pudessem ser simultâneos, essa necessidade desapareceria e uma coisa poderia causar sua própria existência no mesmo instante em que passa a existir, como queria o teísta em questão. Mas é claro que esse absurdo é impensável, assim como qualquer tentativa de imaginar causalidade simultânea. Isso é apenas uma tentativa impensada de escapar do dilema e ganhar tempo pra pensar numa desculpa melhor enquanto o adversário fica tentando refutar (ou até entender) o que o teísta quer dizer com “causa simultânea”.

Um problema bem mais importante aparece quando consideramos que o deus das religiões monoteístas ocidentais é muitas vezes tido como um ser atemporal. Sendo assim, surge a questão: como um ser atemporal pode gerar um efeito temporal? Como foi dito anteriormente, não faz sentido falar em causa-e-efeito antes do Big Bang porque não existia o tempo. Portanto, só faz sentido falar em causa-e-efeito da dimensão temporal. Mas se Deus é atemporal, ele só não poderia ter causado o Big Bang, como não poderia causar coisa nenhuma! A causa é anterior ao efeito, mas na dimensão atemporal em que Deus existe não faz sentido falar em antes, depois ou até mesmo em simultaneidade. Portanto, nem a desculpa da causa simultânea funcionaria, porque algo atemporal não é sequer simultâneo ao que é temporal. Se não faz sentido falar em causa-e-efeito antes do Big Bang porque não existia o tempo – o que eu concordo plenamente – então também não faz sentido dizer que Deus é causa de qualquer coisa que seja, pois na dimensão dele o tempo também não existe. Por exemplo, se uma ação divina A “causa” um efeito B no nosso mundo, significa dizer que a ação A é anterior ao efeito B (mas não somente isso). Porém, se Deus é atemporal, não tem sentido dizer que A é anterior a B, já que “anterior” e “posterior” são noções de temporalidade, não de atemporalidade. Em vão podem apelar para a onipotência divina, pois mesmo sendo onipotente Deus não pode fazer coisas logicamente contraditórias ou sem sentido. Deus não pode, por exemplo, criar um quadrado redondo, porque “quadrado redondo” é apenas uma expressão vazia e sem sentido, não quer dizer coisa alguma. Assim, a expressão “causa atemporal” é igualmente vazia e sem sentido e Deus, mesmo sendo onipotente, não poderia fazer algo do tipo.

A linguagem religiosa enfrenta vários problemas justamente porque usamos certos termos na linguagem comum em um sentido que não se aplica a Deus. O conceito de causalidade, por exemplo, não se aplica a um ser atemporal. Dizer que Deus é causa do universo ou do que quer que seja é uma afirmação sem qualquer sentido. No entanto, vemos muitos religiosos dizendo isso, como até o próprio William Lane Craig, que afirma que Deus é “causalmente, mas não temporalmente anterior ao universo”. Ora, se é causalmente anterior, também é temporalmente anterior, uma vez que só faz sentido falar de causalidade na dimensão temporal, como vimos. Muitas outras afirmações teístas se revelam vazias de sentido quando analisadas mais profundamente.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 26/11/2012
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