A troca
Durou alguns minutos, mas seus efeitos permanecerão por muito tempo. Nessa tarde de calor escaldante e ânimos agitados, fugindo do sol, entrei numa loja apressada, sem intenção de demorar.
Comecei a procurar o que queria e acabei me distraindo um pouco; quando levantei os olhos vi uma criança sentadinha no chão; a pouca distância de mim, ela mais parecia um bichinho selvagem, cabelos espetados, tão suja e abandonada, me encarando com um sorrisão sem dentes.
Não havia motivo nenhum aparente para sorrir: estava calor, aquele mormaço que só nossa cidade sabe ter. Provavelmente na ânsia de fugir dele, instintivamente ela deu um jeitinho de se aproximar do interior da loja e do ar frio que vinha da mesma. Foi engatinhando, se aproximando, brincando, até chegar onde era menos desconfortável.
Não sei o que a fez sorrir, se ela me achou engraçada,esbaforida de tanto calor e indecisa entre potes coloridos; o fato é que fiquei me perguntando do que ela ria e porque fazia isso, naquela inocência que a gente perde um dia na vida...
Pensei em como estaria daqui a alguns anos, se Deus conservaria em seu espírito, num toque de luz, aquela atitude perante as dificuldades da vida; se ela seria ainda capaz de enfrentar com a mesma doçura o seu futuro, já tão comprometido, tão limitado.
Imaginei que a ela não bastaria apenas dar sorvete, balas ou um lanche; precisaria de cuidado, de carinho, de proteção e torci para que, se ela não o recebesse, futuramente não o negasse a seus filhos.
Não sei o que ela viu, mas sei o que eu vi. Vi que minha dúvida era boba e que muitas procuras são inúteis. Tive vergonha de mim, tive admiração por ela, que não tinha nada, e em poucos segundos me deu muito mais do que eu jamais poderia comprar, tudo que eu realmente precisava receber.