O Precipicio do Fim

De todas as orações feitas, esta eu sei que será ouvida, porque não será dirigida só a Você, mas a qualquer um, qualquer que dedique seu tempo a ler as palavras que se seguem e compartilhe comigo dos sentimentos que vou expressar aqui, apesar de só Você poder fazer milagres, no momento, meu Amigo, só preciso ser ouvido.

Um penhasco se apresenta a minha frente, estranho pois sempre acreditei que de um penhasco já havia pulado em certa noite de Março, pulei e pularia novamente, pulei sem medo e de olhos abertos, pulei e anunciei que havia pulado, não me arrependo, pulei corajosamente rumo ao desconhecido e me descobri caindo pra cima.

Mas agora é diferente, vejo o penhasco, vejo o tamanho da queda e vejo as rochas pontudas que me cortarão a carne quando eu chegar lá embaixo, tenho medo de pular, sei que cairei obedecendo a ordem natural das coisas, cair pra baixo e me estatelar no chão, morto. O penhasco do penhasco, a queda das quedas, um precipício e o fim da estrada.

Como cheguei até aqui? Tão na beira que metade dos meus pés já repousam no ar, não sei, realmente não me lembro e, daqui da beira, é difícil me virar pra trás e olhar o caminho, corro o risco de cair. Mas se não há nada a minha frente, devo correr o risco, virar e olhar.

Lá estão os lugares por onde passei. Um deserto que magicamente se transforma em campo florido, labirintos que desvendei, praias e o próprio sol me parece bem baixo daqui, algumas sombras porque nenhum caminho é todo de luz, mas nada que trouxesse a noite eterna, de fato, meu caminho não foi perfeito mas, aos meus olhos, não justifica eu ter vindo parar aqui, no final.

Começo a ter impressão de que, se não sei como cheguei neste ponto crucial, sei como me trouxeram aqui, sei como me deixei levar e não vejo nenhuma esperança ou força pra dar passos atrás e me distanciar dessa queda inevitável e trágica. Antes deste tenro suicídio, vale uma reflexão.

Se eu fosse afortunado e encontrasse a lâmpada mágica, seria o infortúnio do gênio pois provavelmente não daria a ele a liberdade tal qual fez Aladin. Três pedidos seriam poucos e não pediria riquezas, todos os sacos de ouro do mundo não me livrariam dos males que me enfraquecem. Pediria primeiro que me livrasse de todo medo, duvida e raiva.

Medo, dos três acredito que é o grilhão mais pesado que me prende as pernas, me faz não agir e pensar alem da conta, ponderar, deliberar sobre as questões e tentar prever as conseqüências, o medo de perder, de não conseguir acaba me fazendo nem tentar.

Dúvida, mais conseqüência do medo que um sentimento autônomo no meu coração, não costumo duvidar nas pessoas e, por muitas vezes, caio de bom grado em suas mentiras, mas duvido daquele que não deveria duvidar, duvido de mim e das minhas coisas, do que me envolve e do que é meu.

Raiva, a minha reação mais comum quando não da certo, quando não sai do jeito que quero, perco o raciocínio e agrido, bato, se não firo o alvo da minha ignorância, firo a mim e sofro as duas dores, dor de quem bateu e se arrependeu e a dor de quem apanhou sem saber porque.

Mas não devo pensar de forma genérica.

Ela, sempre ela, a origem dos meus sentimentos nestes últimos meses, se não foi ela quem me pegou pelo pulso e me colocou aqui, por ela estou aqui (ou por causa dela, vá-se saber), medo, dúvida, raiva, tenho vivenciado muito esses sentimentos por ela e tenho de explicar, a Você, a quem lê e até mesmo para mim as razões, as vezes é preciso falar sozinho para que ouça da própria voz as próprias razoes confinadas na cabeça.

Chamei-a de amor, vida e, sinceramente, sentia realmente isso, minha vida estava ali, encarnada nela, meu futuro e minha família viriam dela, minha força, com ela vivi momentos que seriam roteiro de filmes românticos, coisas que revivo na lembrança com extrema facilidade de tão intenso que foi, eu tinha certeza absoluta de que a busca pelo amor havia acabado, nesse aspecto da vida eu tinha obtido sucesso, mas então, sem mais nem menos, veio a dúvida.

Sem um aviso, sem uma explicação, fui jogado num mundo cheio de mistérios, os labirintos estavam novamente a minha frente só que mais difíceis, os campos transformaram-se em deserto novamente, sem nenhum motivo evidente aos meus olhos, eu fui ignorado, esquecido, relativizado. A dúvida me atacou de forma implacável.

Não me ama mais? Por que não me responde? Por que só responde umas e outras finge que não viu? Por que não fala comigo caso eu não fale antes? Acabou? Esta acabando? Não quer mais sair? A gente não vai mais casar...

A dúvida pergunta e responde, sempre a pior resposta.

Não me ama mais, não me responde porque esta cansada, responde só as normais porque agora, somos só amigos, não finge que não viu, só não quer responder, não fala comigo antes porque não tem mais assunto, sim, esta acabando, quer sair, mas não contigo.

Perguntas feitas e respostas dadas, agora o medo.

Medo de perder, de ser um derrotado, medo de não ver luz na escuridão que se apresenta, medo por não saber o que aconteceu, medo de perguntar e a resposta que não se quer vier.

Então, a raiva.

Eu me dediquei a você, mudei hábitos por você, eu fiz tudo o que você pediu, me sacrifiquei quando precisei, por você, não devia agora simplesmente me virar as costas sem nenhuma explicação, esta sendo desleal comigo! Eu não vi de você metade das renuncias que eu fiz... eu sou um cara legal.

A raiva, de fato, me tira toda a capacidade de compreensão.

Mas não a sinto agora e busco na minha mente uma serie de pensamentos pra explicar o que aconteceu. A busca de uma explicação plausível, não necessariamente lógica, sempre esteve comigo nas mais diversas ocasiões.

Digerido meus pensamentos ruins, recordo que há quem esteja me esperando, o gênio.

O segundo pedido, talvez mais cinematográfico que o primeiro e muito mais doloroso de se verbalizar, (por isso apenas o escrevo, mas nunca o digo em voz alta), que ela seja feliz, mesmo sem mim, que encontre lá na frente um homem que a faça sorrir, que a deixe com a voz doce ao telefone, que lhe inspire a fazer por ele coisas únicas, que dê a ele uma filha e que o nome dela seja Julia.

Doloroso abdicar assim do amor da minha vida pra alguém que, talvez (espero), nem exista, mas se eu, tomado por toda dúvida do mundo, não me sinto este homem, só posso desejar a ela, com todo amor que a dedico, que o encontre e que o faça feliz como me fez, quem sabe até mais.

O terceiro pedido do gênio, talvez que me fizesse esquecê-la, mas não gosto de apagar meu passado e, sobretudo, paginas tão importantes como essas, não, não pediria para esquecê-la, talvez pedisse que me desse a capacidade de amar outra vez, porque tenho a sensação que, se um dia ela for embora, levará consigo minha capacidade de olhar para uma mulher e ver nela a vida.

Talvez, gênio, eu te deixe ser livre também.

Cá estou eu, de volta a beirada do penhasco mortal, o símbolo do meu relacionamento que nasceu devagar, com calma, no tempo certo, nasceu tão naturalmente que, quando vimos, ele já estava criado e construído, mesmo sem ela querer. Nascido da queda dum penhasco e, provavelmente, terminado na queda de outro. Tenho medo de pular, se desistir, se pular, não haverá volta pois a única coisa que levarei comigo é o orgulho.

Sinto agora bons ventos acariciando-me o rosto, ventos que conheço, que já senti em outros dias, sem medo, sem dúvida, sem raiva. Antes de pular, lembro das palavras de uma velha senhora, num fim de tarde de sábado, me dedicou “confia no teu taco moleque!”. Talvez eu fique um pouco mais aqui na beirada, sentindo os velhos novos ventos e tentando confiar um pouco mais. Essa queda, ainda pode ser pra cima novamente.