Elucubração involuntária
A controvérsia é a essência de qualquer humano.
O que se diz, se desdiz conforme o passo da conveniência.
Há quem perceba, há quem não. E há também quem se encurrala numa mesma alegação.
Faz-me falta ser sensata. Quem dera eu ser uma só, em lugar de trinta que discutem e se soerguem involuntariamente aos berros.
A primeira é infeliz, e a segunda, psicopata;
A terceira é mui carente, e a quarta peca em gula;
A quinta é calma, branda, não se abala ou atormenta;
A sexta monta um furacão de impaciência;
A sétima é preguiçosa e lenta, a oitava é ágil, célere;
A nona quer ser só (e que poder tem essa!);
Mas a décima se lhe atravessa, e quer as boas companhias;
A décima primeira olha pra frente, sempre distante;
A décima segunda também olha pra frente, mas mais pertinho pra ajustar o foco;
A décima terceira quer um companheiro de vida;
A décima quarta quer uma casa cheia de gatos;
A décima quinta detesta o mundo e as pessoas, "nasci velha e rabugenta", justifica;
A décima sexta encanta-se como em tempos pueris;
A décima sétima só quer é ouvir música;
A décima oitava só quer é fazer música;
A décima nona quer saber da vida alheia; e a vigésima lhe ordena deixar isso de lado, é coisa de quem não tem mais que fazer...
A vigésima primeira pretende conhecer o mundo, fazer bonecos com a neve de Moscou, mergulhar nos mares do Caribe;
A vigésima segunda só deseja as quatro paredes do quarto;
A vigésima terceira quer investir, mandar as economias às alturas;
A vigésima quarta, desgraçada, sozinha se contradiz;
A vigésima quinta usa roupas de requinte e salto alto; a vigésima sexta quer moletom e tênis velho;
A vigésima sétima tem ciúmes da própria sombra;
A vigésima oitava sonha acordada, alheia a qualquer resto;
A vigésima nona não sabe o que quer;
E a trigésima... a trigésima quer mais é escrever em desabafo.