VERGONHA

Como posso me irritar tão facilmente, perder o senso de justiça, pensar em agredir alguém por um simples descuido no transito, por uma simples contrariedade, por um mal entendido qualquer e ver uma mãe na TV dizendo que apesar de não perdoar o assassino da filha, não desejava mal a ele. Só queria justiça, onde pra mim só serviria a vingança.

Como posso perder tão facilmente a paciência, de novo por coisas tão banais, por ter que trocar um pneu que furou, porque a revista ainda não veio, porque a fila do banco não anda... Quando muitos esperam por um órgão numa fila de transplante.

Como posso estar com o saco tão cheio do meu trabalho, maldizer tanto as segundas feiras, enquanto tantos precisam mendigar por não ter um.

Como posso dizer que estou tão cansado, ainda tão novo, com tanta saúde e vida relativamente fácil, vendo pessoas em cadeiras de rodas tentando vender balas nos semáforos pra garantir alguns trocados; tantos velhos que, depois de terem trabalhado uma vida inteira, não tem o suficiente nem para os remédios que necessitam.

Como posso ser tão mesquinho e egoísta, pensando sempre em ter mais, mesmo já tendo o suficiente, apenas para ostentar, por orgulho e vaidade, e ver pessoas com tão pouco, adotando mais uma criança, tirando-a da rua, compartilhando do pouco que tem.

É! Senhor Deus... Já ouvi tantos dizendo em tom de revolta que o Senhor podia... Que o Senhor devia... Mas entendo porque não se revela, porque não controla tudo, livrando o homem de suas responsabilidades: pra que muitos como eu não continue sendo uma vergonha.