SER OU NÃO SER: UM CONTEXTO OBSCURO

     Hoje tive uma visão que fora menor não ter: Num sonho de morte.

     A luz emanava do peso que envergava algum canto no espaço-tempo, à velocidade máxima confinada pela fria natureza, e rasgava impiedosamente a escuridão do vácuo sem vida, até atingir o planeta onde residem os soberbos
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     E a luz cortou os céus e neles gravou o cenário primeiro em cores deslumbrantes a que deram nomes. Da iluminação da natureza morta, alguém bradou para a eternidade, em nome de um Deus criado:

     - ”Faça-se a luz”.

     Nem notaram que outrora a mesma luz já irradiava por espaços infinitos e desconhecidos, e que dela apenas começavam a fabricar, pelos olhares próprios, miragens que dariam origem a uma nova gênese, perante a qual tudo foi possível criar em imagens solidificadas, de tal modo, e tantas, que fizeram sucumbir, pela visão míope, toda a natureza universal, em tempo e espaço separados, em procissões do que chamam fé e ciência.

     Do que chamam fé, a deuses inventaram, dando-lhes imagens diversas e poderes incomensuráveis. Também fabricaram uma alma e um espírito para encobrir as próprias fraquezas e limitações. Percebendo a morte constante da carne, para poderem contemplar a eternidade, entregaram-se, no limite inatingível, ao Criador. Exatamente. Por eles mesmos inventado.

     Do que chamam ciências, a regras criaram, também com imagens inexatas. Definiram a criação biológica e o surgimento do Universo. Fragmentaram o tempo. Dividiram os espaços em posses e interligaram recantos longínquos.

     Não contentes, quiseram gravar em algum canto do imenso quadro pintado, à análise própria do pensamento, os contrastes dos sentimentos todos. Então buscaram também dar imagem a abstratos. No que chamam filosofia e poesia, buscaram definir ou conceituar os entraves ainda desconhecidos da mente e buscaram analisar como funciona tal mecanismo e em como dele emergem, em sutilezas, devastações insanas ou sentimentos complexos.
     
     O ser ou o não ser. O amor. O desejo. O ódio. A esperança. A fé. Os constructos sentimentais todos se tornaram o último limite para a projeção de algo qualquer, sempre perante a luz, pincel básico de suas pinturas. Debruçaram-se em palavras e subjeções, escritas ou não, tantas e com tal força que se violaram a si próprios, aprofundando-se criações e análises comportamentais e mentais, que levariam a desenhos borrados, porém necessários ao infinito cenário, onde se colocam como centro, sem perceberem que da luz que outrora já existia, é que projetaram todas as imagens e cores da obra.

     Ontem. Sim. Ontem também tive um sonho: Andava pela planície, sem querer estar debaixo do nada. Preparei um jardim com lindas flores, das quais exalava um perfume inebriante. Uma revoada de pássaros cruzava o céu indo de uma a outra grande árvore, enquanto ela me olhava, deslumbrantemente linda. Queria alcançar espaços infinitos e minha mente se aprisionava na beleza de tudo, sobretudo na dela. O pecado e a pureza me convidavam simultaneamente e nela se convergiam. Eu era o herói. Eu era o vilão. Era o único amado e único amante na gênese minha, brotada tão fortemente no sonho. Da planície mostrei o mar, as montanhas, as cidades e acima do céu. Relampejos intensos. Escorregava pelo tempo e atravessava estações.

     Uma noite alta e fria já houvera antes, mas neste sonho de ontem. Neste via o céu azul e limpo. Sentia uma chama que ardia a alma e fazia minha carne se acovardar perante a amante que ali estava. No vento, sentia vultos e, como em tantas vezes os enfrentava. Houvera de vencer para ter a amada. Mesmo que a vitória implicasse a queda e a dor pelas gotas de consolo que viriam.

     Sim. Ontem sonhei. Criei uma nova gênese. Ninguém viu. Nem a amada que por vezes me visitou em outras criações, cada uma infinita e distinta. E nela, como em todas as demais do anteontem, inexplicavelmente, tornei-me como o que chamam “deus”. Em muitas vezes nos condenei, amado e amante, ao amor eterno. Em outras, à perda eterna. Em outras, nem nos existíamos. Em outras ainda havidas ou por haverem, as possibilidades se concretizaram ou se concretizarão no criador, sem que ninguém perceba.

     Mas hoje tive uma visão. Um sonho de morte. Foi ao amanhecer. Não dormia. Ou será que sim? As gêneses todas, dos sonhos todos, morreram ao amanhecer, na luz modelada pelos homens que andam acordados, em sonhos e gênese comunitários.

     Péricles Alves de Oliveira
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 14/10/2012
Reeditado em 01/03/2013
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