Mágica.

Tinha alguma coisa incomodando, como um pelo na garganta, e eu tossia, tossia a estrada inteira e não saía nada. Era frustrante pelo incômodo e mágico porque eu sentia, eu tossia, eu queria arrancá-lo dali a qualquer custo. Não era tristeza, nem tão pouco solidão. Não naquela época que fazia sol e frio e eu tinha tantos amigos em torno de mim. Não naquela época que todos sabiam meu nome, e havia convites de festas empilhados em cima da mesa e meu telefone recebendo infinitas mensagens de bom dia, boa tarde e boa noite. E conforme os dias passavam, o sentimento continuava entalado, impedindo minhas vias respiratórias, me fazendo pensar toda hora em algo como ''Bom, ele ainda está aqui, eu preciso tossir outra vez para tentar arrancá-lo, ainda que saiba que qualquer esforço pela boca é inútil''. E eu focava em tossir, falar, gritar e voltar sempre naquele assunto que era meu incômodo. Que era, enfim, a sua indiferença. Mas enquanto via um filme qualquer em casa, numa dessas noites que a gente apaga todas as luzes da vida, acende uma vela só e vive na penumbra e na sombra da fumaça dos nossos cigarros, eu chorei. Minha irmã mais nova tinha me ensinando que nosso olho possuía um buraquinho por onde jorrava água vez em quando. Minha professora de ciências humanas tinha me ensinado que possuíamos vias lacrimais. E eu sabia que isso tudo não tinha a ver com aquilo que acontecia comigo, enquanto via aquele filme bobo, aquela história inventada. Chorar estava além de tudo que diziam. Era mágica também. O filete de lágrima cair tão certinho, contornar a bochecha, morrer nos lábios, era mágico. Nessa noite, eu chorei muito. Eu fui dormir chorando, sem saber o motivo, ou por motivo demais que eu tive preguiça de contar... No dia seguinte, acordei sem incômodo nenhum. Acho que eu não havia engolido pelo nenhum, o que morava na minha garganta, era um rio pequeno de lágrimas. E depois que eu entendi isso, aprendi a soltá-lo, deixá-lo ir, porque da mesma forma que ele acontecia e jorrava de mim, ele levava consigo tanto peso que eu carregava sem saber e isso tudo era mágica. E não era tristeza, nem tão pouco solidão... Eu comecei a chorar, quando eu comecei a entender o mundo e as pessoas, e eu soube que choro, além de mágica, é refúgio, liberdade. Aprender a chorar só me fez mais feliz.

Leo Freitas
Enviado por Leo Freitas em 27/09/2012
Código do texto: T3903695
Classificação de conteúdo: seguro