Dublê

Observo oculto, palco vazio de luz

Os atos estão na cortina fechada da memória

Ecos do silêncio reconstituem cenas mal ensaiadas

Alí, mudo, ouço-me na fala mal pronunciada

Improviso-me surpreendendo-me com efeito

Momento de risco, sou coragem fora do script

Palmas, palmas, palmas... é diáfana platéia mecanizando alegoria

Olho-me no camarim de minh´alma, sem maquiagem, sem rosto

Vejo-me sem glória vã

Não, não posso apresentar-me como sou,

se o que sou, me é desconhecido

Só o ator atua completo, persona garbo empolado,

alternando humildade com vilania

Sou Zarathustra, sou mendigo, sou figurante

Amo e odeio com intensidade de até convencer-me,

garanto assim respeito, refratário respeito admirado

Drama vibra assistência que nutre drama sanguínio

Catarse vingada, posteridade forjada

Ode aos loucos é aplaudida de pé pelos doutos alienados

Tudo é espetáculo, tudo é fama fatal e gratuita

Aclamado, hipnotizado, Fausto eternizado às multidões

Alçado ao mais alto papel, morro antes do ato final

Impassível assistência, remove o inoportuno

Reposto, teia recosturada, o espetáculo não pode parar

No melhor que me premiaram, sem o saberem,

meu dublê idolatraram

leandro Soriano
Enviado por leandro Soriano em 30/07/2005
Código do texto: T38855