Aleatório I
Nas mais variadas indagações e reflexões se envolve o ser humano, e muitas vezes, nos mais estranhos locais. Me acometi em uma dessas divagações enquanto cortava o cabelo. Simplesmente sentado ali, vendo o mestre cortando os fios, minha mente viajou e passou por simples, porém interessantes questões.
Ao primeiro momento, pensei na vida. Qual o seu sentido? Seria buscar a felicidade? Então por que vivemos infelizes? Infelizmente, apesar de muita reflexão, não pude chegar a uma conclusão concreta sobre tal assunto. Vale ressaltar, no entanto, que esse assunto ainda me perturba.
Passa-se o tempo, os fios caem, e entra um novo cliente. Tão logo entra no recinto, toma o celular às mãos e esbraveja com o outro na linha. Resmunga de uma brincadeira inoportuna, diz que o outro o ligou para fazer uma brincadeira, mas aquele não era devido momento, estava ele cortando o cabelo, ora pois. Continuou reclamando e xingando enquanto ali permaneceu.
Nada disse eu, covarde como sou, mas em minha cabeça novos pensamentos foram formados, e de certo modo, essa atitude me fez repensar o tópico passado, no que se refere à felicidade: será que vivemos infelizes porque não queremos aceitar a felicidade? Talvez. Não seria bom começarmos o dia com uma brincadeira, e tão logo, um sorriso? Mas, infelizmente, há pessoas que não veem o quanto uma piada pode trazer a alegria.
Ainda em pensamento com aquilo, reparo no cliente ao meu lado. Jovem, piercing no nariz, brinco na orelha, topete no cabelo. Corpo musculoso, bem formado e pele clara. Perfeito estereótipo mídiano. Mais uma vez, minha astuta mente retomou a felicidade. Será que para sermos felizes devemos ser como esse cliente e seguir os padrões de beleza sociais? Ponderei, e conclui que sim, para alguns esse padrão é o mais importante, mas, para o bem da humanidade, ainda há outros que veem que a beleza não encontra somente no exterior, mas com certeza também no interior. Mas será que digo isso porque não sou bonito aos padrões da mídia? Talvez.
O mestre (que é o cabeleireiro, e assim o chamo por manejar tão bem a tesoura e o pente) continuou a fazer sua arte na minha cabeça. Mas então ele, em conversa com outro mestre, se envolveu em uma discussão, não tão severa, mais construtiva. Passou pela rua um carro político, tocando em seus alto-falantes uma melodia um tanto cativante, mas ao mesmo tempo irritante. Riram-se os mestres e comentaram tal ação. Falaram e falaram sobre os candidatos, corrupção, mensalão, etc.
A mim, só restou ouvir e refletir. Em todo o momento de estadia no local, não pronunciei sequer uma só palavra, mas refleti e pensei o suficiente para um dia todo. Se bem que pensar demais nunca é ruim. Levantei-me, paguei a conta e, assim como deixei meu velho cabelo e saí com um novo, entrei um velho homem e saí um novo homem.