In Memorian...

Nome: Ig

Profissão, ocupação, situação: Escritor, poeta, catador, andarilho, pintor, desempregado, apenas uma criança, aposentado... abandonados em algum lugar.

Salário, o que recebe: moedas de centavos, alguns trocados, um prato de comida, um agasalho, migalhas de atenção.

Meio-dia, avisto Ig perambulando pelas ruas da cidade. Passos lentos, mãos no bolso, passou ao meu lado para cumprimentar-me: " - Boa tarde" sem exclamar... Um lugar ao sol... observando as ações dos outros, um poeta a meditar.

Ao entardecer encontro Ig, com uma pilha de jornais. Ao ver-me , um singelo "amiguinha" minha mão veio beijar. Alma abatida, gemeu por socorro. Benditos são os que, em qualquer situação, escolhem amar.

A noite cai e com ela vem o Ig, cabisbaixo, ficou surpreso ao ver-me: - Olá! "Dei-lhe um abraço". -Que bom te encontrar! Divagou sobre sua vida, escutei-o com atenção. Seus olhos embriagados, vertente represada na sofreguidão... Consciência do mal... Um paralelo sobre suas telas, em dado momento reportou-se a Khalil Gibran, desabafou... Não contive as lágrimas... Um artista, um irmão, seguiu seu caminho em seus tristes passos a penumbra interpenetrou.

(In)digno e (des)honrado Ig, como sombra personifica uma parte dessa sociedade hipócrita, soberba, esnobe... desprezível por fazê-lo "morto" ainda em vida, na memória, na solitude de um pseudo "viver". Por que tantos enterros?!

Noites insones... do lúgubre abismo, recôndito destas almas, ouço gemidos no silêncio. Queixa exaurida... necropsia no olhar dos torturados revelou-me, o opróbrio sofrimento do não ser.

Dolente, toma-me pouco a pouco o abalo da incapacidade diante da imensidão... minh'alma absorta suplica de onde jazo, para além deste confim: *De profundis clamabo ad te, Domine!

Em meio a negra tempestade, afrouxo o nó da garganta, na dor que estrangula para eu me calar... morrem lágrimas uma a uma, passam arroios... O coração dói-me, deixo-o falar... na histeria dos meus versos, grito um lamento:- Escutem! O vento que uiva, retine a voz dos "Ignorados"! "Aqui estou"...

Tormento do ideal, um mundo não só de palavras, nem costumes... repugnante religiosidade. Uma lição, conscientes um do outro, deveras, Amor.

Falo pelos que não falam... aos pobres de alma, neutralizados, com suas insignificâncias. À tribo dos afortunados, alguns Judas da vida com remorso póstumo. Onde está teu coração? Ébrio do vil cálice da volúpia? Ornamentado com jóias de um fardo insuportável?... Em quem hão de pôr a sua esperança?

Mundo de inferno! Na ignorância da morte absolveram o desamor.

Lidiane Dorneles

* Salmo CXXXIV.

http://www.youtube.com/watch?v=AdK3ZVduZ_Y

FlorbelaSartes
Enviado por FlorbelaSartes em 27/08/2012
Reeditado em 23/03/2019
Código do texto: T3852431
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