MENTIRA INOFENSIVA
Em um certo dia estava almoçando num self-service perto daqui do trabalho, quando o dono do estabelecimento (o pai que estava atendendo a um telefonema) perguntou em voz alta ao outro dono ( o filho): “o almoço da Fátima já tá pronto?”... no que o filho respondeu (naquele timbre de quem tá em débito com alguma coisa... Aquele que começa numa altura e se vai diminuindo o tom, demonstrando, sutilmente, que algo não está correto): “Tá saindo” ... aí o Pai disse: “o quê?”, e ele repetiu, aliás, modificou o modo de responder, dessa vez em tom maior: “já saiu”, ao que o pai prontamente informou à solicitante que seu almoço já estava a caminho. Só que a quentinha ainda estava do lado dele...
Agora pergunto: uma mentirinha dessas é inofensivanão é? Afinal, a pessoa, do outro lado desligou e, contente, esperava o almoço, que realmente, após o telefonema, saiu. Parece que tudo está resolvido...
Existe um ditado popular que diz “a mentira tem perna curta”. Será? Na verdade, este ditado tem a função moral de evitar que as pessoas mintam porque certamente, em breve serão descobertas, é o que diz o ditado. Mas, sou de pensamento que isso não corresponde à realidade. Uma mentira pode durar muitos anos e até nem ser descoberta nunca, basta que o mentiroso (no caso em que só ele saiba da mentira) nunca a revele. Por isso, alegar que o filho não deveria mentir porque a Fátima descobriria sua mentira não é argumento final, porque, nesse caso, tão “inofensivo”, ela jamais descobriria, e ainda que viesse a descobrir, depois de já ter recebido e almoçado, provavelmente nem ligaria mais...
Porém, o problema último das mentiras, incluindo essas aparentemente inofensivas é que elas, por terem caráter de impunidade, viciam o praticante...no dizer de um pensador moderno “aumentam o declive”, facilitam novas mentiras, cada vez mais freqüentes e maiores, dão exemplos negativos aos outros... e numa reação em cadeia, logo, logo, todo mundo está mentindo. Aliás, é exatamente a nossa realidade atual. Mente-se em todas as situações: manda-se dizer que não está pra não atender aquele telefonema “inoportuno”; cola-se nas provas, porque não se quer estudar nem prestar atenção às aulas; mente-se, ao fone, que se está doente, a fim de não ir trabalhar; os vendedores garantem que aquele produto é excelente, quando ele sabe que não é; mente-se na declaração de imposto de renda, sonegando o mais possível de impostos... políticos, alicerçados em Maquiavel, mentem à população garantindo que vão lhes cuidar da saúde e da educação... e assim vamos nós... Nós? Eu tou no meio?
Se eu minto? Claro que minto! Os exemplos me vêm de longe (fato que não me tira a culpa)... Mas são mentiras “inofensivas”...