pra onde as coisas vão
Eu treino diálogos mentalmente. Mas você tá bem mesmo? Não, é que fingir me dá um pouco de segurança. Eu treino porque a indiferença alheia me olha de cara feia o tempo todo e cansa aguentar tudo isso. Então eu invento várias pessoas pra ficarem conversando comigo enquanto eu morro na sacada do prédio de cara pra lua. Quando estou triste é a hora perfeita pra ficar embolando palavras na cabeça. Eu não como quando fico assim, a comida não desce na garganta. Porque tem muita coisa presa, tem coisa querendo sair de mim e eu não posso vomitar minhas entranhas cada vez que o meu mundo cai. Ouço meu coração virando coraçãozinho, um crac-crac dentro do peito, quando chega na parte da minha música preferida de escutar nas horas azuis. A parte que me diz sem chamar me nome. “Em todas as minhas obsessões para encontrar palavras perfeitas… Me acorda cedo porque eu tenho sonhado. E nos meus sonhos eu só, eu só sou bom pra mim e pra mais ninguém”. Eu fico pensando pra onde as coisas vão quando não existe mais espaço, quando respirar fica difícil demais e nem desabotoar a camisa adianta. Quando as estrelas resolvem se debruçar nas minhas costas. Eu fico pensando. E eu fico pensando pra onde as coisas vão…
Ensaio olhando pro meu reflexo no prato, quando o garçom ainda não colocou a comida na mesa, ensaio olhando pro meu reflexo como as coisas poderiam ser. Porque de tanto ensaiar talvez eu acredite nisso. Acreditar na própria mentira. Eu me faço de boba, estou querendo me enganar quando fico observando os gás da coca-cola acabar. Por que você faz de conta que não viu? Por que você não tocou na sobremesa? Você sabe bem que eu tenho muita coisa entalada em cada silêncio que te entrego. Eu treino diálogos pra poder saber como vou reagir quando tudo der certo, pra poder sentir de todo o vento quando todo mundo tá falando e falando do tempo. Eu treino diálogos porque eu não queria treinar. Eu queria falar bem alto que quando choro não é pra chamar atenção, é que me escapa fácil. Eu escapo de mim fácil. O meu medo é não me achar mais, virar do avesso e achar que esse é o normal. Eu sou mesmo obcecada pra achar palavras perfeitas. Ou simplesmente achar pra ter o que perder.