Brisa 5

Já se perdeu olhando o céu? Nada de mais, só queria saber. Eu já. Todos os dias. Olho o horizonte e penso que não é o fim. Há um mundo inteiro lá fora, você sabe. Mas eu me sinto inseguro em sair de casa; é difícil se desacostumar à segurança e conforto do berço aconchegante (ainda que eu durma no chão). A insegurança não me deixa pôr os pés fora da porta, então me contento em olhar o céu pela janela e voar.

Você já voou rumo ao pôr-do-sol? Ah, deveria experimentar. Já voei mil vezes até lá. Mesmo em dias de chuva, sentado em meu sofá. Quantas vezes não fui eu ao fim do arco-íris? Nenhuma moeda dourada encontrei. Porém, numa dessas idas, o Duende Irlandês me avisou que era perigoso se perder por aquelas bandas, então voltei para meu sofá, no canto da sala. Às vezes arrisco ir até o arco-íris, mas não chego mais até o final. Quem sabe o Duende não mentiu? Avisou-me sobre um perigo inexistente para afastar-me do tesouro imaginário. Não sei. Não me arrisco a ir muito longe para descobrir. É o receio.

Já tomou banho de chuva no meio da rua? Quando eu era mais novo, costumava fazê-lo. Mas, de repente, surgiram tantas doenças, viroses, bactérias, parasitas, protozoários que eu prefiro ficar em casa. O chuveiro é uma chuva que se pode controlar (desde a freqüência até a temperatura) e não me deixará doente à menos que eu não me seque direito.

Você tem sonhado ultimamente? Ah, eu sonho todos os dias, todas as tardes e noites. O sonho é bom. Não é controlável como o chuveiro, porém não é perigoso como o fim do arco-íris. Nos sonhos posso até sair de casa; não há perigo. Gosto de sonhar. Sonho com ela. Ela e eu. Sonho que estamos sonhando. De mãos dadas, seguimos na mesma direção. Rumo ao pôr-do-sol, além do horizonte, no fim do arco-íris. O pote de ouro está lá. Posso vê-lo ao lado do arco-íris, que repousa num riacho com cachoeira. Ela sorri. Diz para eu esperá-la em casa. Logo ela estará chegando. Antes do beijo de até logo (o adeus inexiste nos sonhos; eles sempre voltam) eu desperto.

Por isso não saio de casa. Talvez não seja o conforto que me prende aqui. Tampouco o receio, ou o medo, ou as doenças. O que me prende aqui é a esperança. Esperança de não acordar do sonho. Ou esperança de que a promessa do sonho vai se cumprir. Esperança de que, a qualquer hora, ela vai bater na minha porta, pegar minha mão e me levar voando pela janela da sala; rumo a mais um pôr-do-sol.

William Guilherme Sampaio [19/3/08]

William G Gardel
Enviado por William G Gardel em 29/05/2012
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