Pierrot, reflexo da alma do mundo.
Nos cantos do Vale da Morte, onde o mais alvo lírio deixou seu sangue, onde o relógio parou para contemplar a lua, nasceu Pierrot, filho dos tempos congelados. O "alecrim, que nasceu dos campos, sem ser semeado". Passo a passo, caminha Pierrot sem língua, capaz de se expressar apenas por poemas, quando seus olhos reconhecem a essência das palavras que mergulham em si. Pierrot, reflexo da alma do mundo, recolheu, certa noite, um verso humano no chão, um pedaço da alma de quem já se foi. Tais palavras o mergulharam num poço de lama. Se seus olhos, saía o terror. De sua boca, palavras sujas: palavras, acima de tudo, humanas.
Pierrot, reflexo da alma do mundo, cuspia fogo e tinha o andar reto, batia os pés no solo, machucava a Mãe Terra, machucava e deliciava os corações dos homens com sua bravura, suas palavras rudes e suas mentiras. Por dentro, Pierrot era apenas uma criança chorando.
- Que isso, menino? Largue já esse cigarro! - Disse sua mãe Morte, derrubando-lhe no chão com um tapa. Mal a morte sabia que ali não era fumaça de cigarro, mas a fumaça de sua alma. Pobre Pierrot, da alma em chamas! Pobre, que procura livrar-se do fogo ao mergulhar a face em um balde, e este lhe rouba a imagem.
- Não sabias que teu rosto era de mentira, Pierrot? - Indagou-lhe o Lírio de Sangue. - Não sabias que teu rosto é pura maquiagem? Tuas lágrimas são tinta de papel, teu rosto manchado é de mentira. E, mesmo triste, és um palhaço. És um palhaço, Pierrot.
Pierrot, reflexo da alma do mundo, não suportou tamanha verdade. Em seu leito, no Vale da Morte, cai Pierrot entre os alecrins, tais que nasceram no campo sem serem semeados. Sua alma procura sair de seu corpo a todo custo, contorcendo-o, convulsionando-o, fazendo-o rolar e tremer. Percebe então que está presa; presa às palavras tão humanas que engoliu. Pierrot, sem língua, contempla o céu em silêncio, de braços abertos e à espera de que sua mãe Morte lhe acolha, como a um bebê.
Pierrot, reflexo da alma do mundo, palhaço mudo e triste, sem rosto, sem nada seu, espera...