A MOEDA

Um cara ou coroa para definir os lados em que cada time ataca nos noventa minutos de um jogo de futebol.

Essa talvez seja minha função mais dispensável para a vida humana. De resto, parece realmente que sou valiosa demais para o mundo todo.

Em cada país, um nome e uma atribuição valorativa diferenciada.

Posso ser, ao mesmo tempo real e fictícia; posso ser iene, dólar, euro, libra; posso ser única ou múltipla.

Você deve ficar cheio de inveja quando lê isso, porque precisa admitir que, pelo menos nesse mundo, você consegue muito pouco sem mim,embora ache que eu seja a responsável pela sua perdição. O amor acaba e a culpa é minha. O político rouba e a culpa é minha. É essa aliás, a desvantagem humana. Sim, você humano sempre quer me atribiuir a característica que lhe é própria.

Ora, pense. Ser bom ou mau é contingência presente apenas no humano. Entre os inanimados há somente o existir. Na realidade, só existo na cabeça do humano, que, não sei porque cargas d'água, me deu alguma utilidade. Mas também é certo que não faço nada que você não queira fazer, embora imponha certo limite para alguns, que carregam a necessidade supérflua de me querer mais do que me tem de verdade. Entre o sonho e a realidade mora a frustração. E quando você bate à porta desta última, se põe a chorar as pitangas da inveja, projetando em quem me porta momentaneamente mais do que você, a culpa da sua destitosa empreitada. É preciso usar a cabeça muito antes de me usar.

Levanto casas e posso derrubá-las; compro a suposta felicidade vendida nos salões de beleza, que massageiam os egos doentes que estão por aí; compro a falsa liberdade daqueles que na realidade se fazem meus escravos; compro a riqueza dos supostos donos do mundo; pago viagens para qualquer parte do mundo, menos aquela que é feita fora do alcance do globo terrestre, por habitar a desconhecida zona do eu.

Também posso ampliar a pobreza vocabular do homem, me apoiando metaforicamente na linguagem informal, que de mim se socorre às vezes, para expressar indignação, orgulho, astúcia e talvez algo mais.

Mas reconheço que perco minha função. Passo a pagar o que não consigo. Um sentimento, por exemplo. Não compro raiva, amor, ódio. Mas você paga esses sentimentos com moedas iguais a mim.

Você também cai no absurdo de me imaginar com mais faces além das duas que eu tenho. Sou usada para mostrar a outra face a quem só consegue ver uma, muitas e muitas vezes.

Voltando à minha alçada, estando nas mãos de quem me usa pensando em alguém ou mesmo em si próprio, posso ajudar qualquer um. Um amigo, um parente, um pobre, um desempregado e em quem você quiser pensar.

Bom, acho que mostrei a que vim. Só mais um aviso: quanto a mim, tenha uma certeza: a de que eu não tenho duas caras.

Marcello Santos
Enviado por Marcello Santos em 27/05/2012
Código do texto: T3690684
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