o azul mais azul do céu
Eu preciso te dizer: estou perdida. Comigo mesma, num buraco fundo em algum lugar quente do coração. Tudo borbulha, tudo me queima e arde por dentro. Vem a fumaça me saindo pela boca e, Beatriz, a alma também me abandona. Eu venho sendo destroçada por algo aqui, próximo e que pulsa junto comigo, chora comigo, ri comigo. E eu não sei o que é. As minhas asas me doem, Beatriz, eu quero arrancá-las e não posso. Elas me pedem perdão e mesmo assim me machucam, mesmo assim me mantém longe do paraíso. Eu sinto os ossos se quebrando como vidro, me destroçando inteira e eu não sei mais o que faço. Estou cansada, tudo me leva a crer que de olhos fechados o céu me cai melhor. De olhos bem fechados, bem presos como um cofre que guarda ouro. Eu queria guardar ouro, queria guardar jóias e pedaços do amor. Mas não consigo, não consigo porque me puxam para algum lugar onde se é quente demais pra qualquer inspiração, qualquer tomada de ar. O ar entra fervendo e o suor faz o cabelo grudar na pele. E faz sentir que estou próxima do inferno, do abismo sem volta que me meti. A melancolia me devora inteira, sem restos e mapas para tesouro. Eu viro ilha perdida a cada instante que passa e todos tentam me interpretar como se eu fosse um livro de sinopse curta. Mas eu nem sei mais ler. Nem sei mais o que é ser livre, o que é abrir os braços e agarrar tudo o que puder. Nada me cabe, tudo é enorme demais. Grande, esmagador. Eu não tenho tamanho nesse mundo, eu me perco cada vez mais nesse labirinto sem resolução. Caio cada vez mais nos calabouços e todas as feras me encaram de perto. Mais perto, mais perto. E eu não sei o porquê de agora tudo estar mais distante. Beatriz, cair é voar? Porque se for, estou voando agora. Prum lugar lindo, você precisa ver. Você tem que ver como o Sol toca o mar, como os golfinhos dão saltos de encostar nas estrelas. Eu não tenho mais asas, o que é isso? Deixa. Quer saber? As nuvens tem um gosto tão bom de riso de criança, tudo aqui explode no momento certo. E o tempo não existe, eu não conto mais as fases da Lua porque não a vejo mais. Aqui só se é dia. Eu sou um dia, um dia lindo que você insiste em manter os olhos abertos. Beatriz, olha pra mim. Olha pra ver que sou pássaro sem asas, eu sou o canto mais agudo e ensurdecedor. O grito mais distinto e eu vou ecoando pela eternidade em todas as brechas que existem. Eu acho, Beatriz, que consigo ser o azul mais azul do céu. Posso sentir na língua. Sim, eu sinto tudo isso na língua. Em todo o corpo. Meu suspiro final é fraco, mas sei que você pode ouvir. E feche os olhos, Beatriz, porque sei também que guardo ouro e quero que você sinta tudo dentro de você. No seu lugar mais quente, mais próximo.
Se voar é cair, acho que estou caindo agora.