Lições do mar
Esta semana vou falar sobre veleiros.
Há 10 anos parti de Santos para o mundo em meu veleiro Stormy.
Foi exatamente nessa época que comecei a entender o que meu veleiro me dizia em silêncio.
A cada lição eu aprendia a velejar melhor, mas o mais importante é que aprendia também sobre a vida.
Passei a fazer analogias da vida com a arte de velejar; tudo se aplicava a minha vida.
Em minha primeira lição de navegação aprendi: “saiba onde está e para onde quer ir”. Isso não serve só para a navegação, serve para nossa vida.
Certa vez eu estava em Ubatuba e pretendia ir para Paraty.
Era uma manhã linda, com sol, vento ameno, um lindo dia pra velejar.
Subi as velas e rumei para Paraty.
Quando estava no meio do caminho, um vento forte, cerca de 20 nós, o que representa 40 km, me pegou de frente.
Um veleiro não veleja contra o vento, ele tem que fazer zig-zag, o que aumenta a distância e o tempo de viagem.
Cada zig-zag que eu fazia, percorria poucas milhas do meu destino final. Estava difícil.
O mar batia muito forte no Stormy, a água começou entrar pela gaiúta, a noite estava chegando, as baterias já estavam precisando de carga, sem falar do desconforto a bordo com o barco inclinado a 30 graus.
Tudo dizia para eu parar por ali e buscar abrigo.
Mas eu já estava perto da Ponta da Juatinga, um lugar onde o mar cresce muito, porém é um ponto de saída do mar aberto.
Percebi que o piloto automático estava lento, as baterias precisavam de carga.
Liguei o motor e depois de 5 minutos, vi a fumaça saindo de dentro do motor.
Corri para baixo, o piloto não segurou o veleiro e ele atravessou na onda, aquartelando a vela. Isso significa que eu estava numa fria total.
Foi nessa hora que dei 180 graus.
Nesse momento tudo parou, o vento estava a meu favor, o mar estava a meu favor, o mar parou de bater, o piloto não oscilava mais, a água parou de entrar pela gaiúta, o veleiro estabilizou ficando com inclinação zero.
Com apenas uma simples mudança de rumo, eu sai do inferno e entrei no céu.
Foi quando percebi que o vento não estava contra o meu veleiro, eu é que estava contra o vento. Eu estava fora do ritmo do mar.
Encontrei refugio depois de algumas horas.
No dia seguinte, contabilizei os estragos feitos no meu Stormy e em mim, tudo podia ser reparado.
Fui ao trabalho.
Fiquei alguns dias naquele local, me interrogando sobre os erros cometidos, ao mesmo tempo em que fazia os reparos dos estragos causados.
Está é uma das muitas lições que tive no mar.
Abraço a todos,
Beto Pupo
(*)
Gaíuta = Abertura no teto do veleiro para entrada de ar, parecido com uma claraboia. Quando a pressão do mar sobre o convés é muito forte pode entrar água.
Atravessou na onda = Ficou de lado para as ondas. O veleiro fica vulverável.
Aquartelando a vela = A vale fica na posição inversa fazendo o veleiro andar para trás.
Beto Pupo é um nômade que vive no mundo há 10 anos.
Já morou em um veleiro, em um Jeep e há 6 anos vive em seu motor home. Atualmente escreve livros digitais e é um E-book designer.
Suas crônicas são baseadas na vivência que adquiriu neste período nômade
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